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A primeira imagem que me veio ao coração quando recebi a notícia tão brutal de sua morte foi a de seus olhos: negros, profundos, perscrutadores, ansiosos por captar a realidade e ver mais além dela, em seu núcleo mais profundo.

Conheci Clarice Abdalla muito jovem, ainda namorada de Leopoldo. Seus sogros, Marília e Aluísio, eram amigos de muitos anos, engajados em muitas lutas comuns. Conhecia Leopoldo do Colégio Santo Inácio, da Comunidade de Vida Cristã da qual participava. Clarice deu entrada com naturalidade em meu coração, onde já tinham espaço reservado tantos de seus mais queridos e próximos.

No casamento de ambos, lembro-me do saudoso padre Ítalo, de Copacabana, o apóstolo do Morro dos Cabritos, tão prematuramente falecido. Com entusiasmo e vigor, ele testemunhava o sacramento do amor do qual aqueles dois jovens eram ministros. Foi uma tocante celebração eucarística, simples como Clarice e Leopoldo e, por isso, mesmo bela.

Tempos depois reencontrei Clarice. Na PUC, ela começava sua intensa atividade no Departamento de Comunicação, que também era o meu, antes de entrar na Teologia. Eu a via sempre ativa, trabalhadora incansável, olhando sempre transparente e direta com seus belos e profundos olhos negros.

Trabalhamos juntas no Centro Loyola, ela já como assessora de imprensa da Universidade, apoiando e divulgando todas as iniciativas que tomávamos. Estivemos juntas nos inícios do projeto Amaivos, portal da internet que cresceu como o grão de mostarda do Evangelho e hoje abriga pássaros em seus ramos frondosos.

Há um ano e meio, Clarice veio procurar-me para uma conversa particular no Decanato. Desejava fazer a experiência dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio na vida diária e gostaria de saber se eu poderia acompanhá-la. Aceitei imediatamente, muito alegre de poder testemunhar o trabalho do Espírito Santo na vida daquela jovem e dinâmica mulher.

O que se passou durante um ano foi muito além de qualquer expectativa que eu pudesse ter. Aliás, sempre acontece assim, sendo Deus muito mais criativo do que nossa pobre imaginação, surpreendendo-nos sempre com o poder de sua graça. Clarice mergulhava fundo e se entregava inteira nos modos de orar propostos por Santo Inácio. Sua docilidade ao Espírito era impressionante e se deslumbrava com cada detalhe que descobria e assimilava.

Eu sentia que meu papel era absolutamente secundário naquele colóquio, onde o Criador dialogava amorosamente com sua criatura, conduzindo-a com carinho pelos caminhos que desejava. E ela prosseguia, com grande ânimo e generosidade. Ao terminar cada uma das etapas, vinha sempre trazer-me um presentinho, agradecer, com o coração transbordando de alegria e gratidão. Agradecia eu o bem que me fazia acompanhá-la e seguíamos em frente.

Clarice terminou seus Exercícios em outubro passado. Já antes de terminar havia sentido o desejo de integrar uma comunidade inaciana. Procurou uma Comunidade de vida cristã e ali entrou. Estava feliz, sentia-se crescer, cheia de desejos de servir.

Quando soube da notícia de sua morte, soube também, imediatamente e no mesmo instante, que na verdade estava madura para ir ao encontro daquele que com tanto carinho a conduziu na experiência espiritual recentemente realizada. O mistério que aqueles olhos negros contemplaram com tanto amor e tanto fruto agora se desvela plenamente diante dela, como plenitude de vida que não termina.

Os papéis se inverteram, querida Clarice. Agora é você quem me acompanha, é você que intercede por mim, por nós, estando como está já plenamente em comunhão com Aquele que a criou, a redimiu e a vivificava com seu Espírito a cada dia. Olhe por nós, por seu marido e filho, que sentem tanto sua falta. E por sua querida Universidade, que sem você se sente saudosa, mas ao mesmo tempo acompanhada. Você que foi tão viva na história, agora é viva em Deus, para sempre.

(*)Teóloga e Decana do CTCH

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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