(www.rebelo.org)

Os arautos do ufanismo comemoram a nova legislação – ainda a ser aprovada – para combater o crime de pedofilia no Brasil. Entre outras medidas, a lei em questão transforma em crime atos de exposição, venda e posse no computador de conteúdo pedófilo.

É uma perigosa faca de dois gumes, mas até agora só um lado tem voz. Ecoam elogios ao projeto de lei 3777/08 e expectativas de que o presidente Lula sancione a lei até dezembro.

O que irá acontecer se a sua empresa for atacada por um vírus ou spyware, destes que pipocam janelas de pornografia logo ao se conectar à internet? Muita das imagens ficam armazenadas no cache do navegador ou do Windows. E se houver imagens de crianças entre os arquivos?

Talvez você responda que ninguém poderá culpar o funcionário por um descuido técnico, sobretudo por uma omissão além de suas funções corporativas. Então será o suporte técnico responsável por permitir a entrada de spywares? Irão responder judicialmente? E quem responde por eles não é o administrador de redes ou o gerente de tecnologia? Como fica?

E se entre os seus 300 funcionários realmente houver um pedófilo que guarda imagens de pedofilia propositalmente?
E se um desafeto quiser incriminar outro, transferindo imagens pedófilas pela rede interna, por e-mail anônimo ou até mesmo usando um pendrive? Poucas coisas são tão inseguras quanto o e-mail e o pendrive.

As imagens podem ser colocadas em pastas escondidas, alheias à visão do usuário comum, porém facilmente encontradas por técnicos ou softwares específicos. O próprio Windows, em suas versões mais recentes, possui recurso nativo para tal função.

A grande questão recai sobre quem irá discenir entre pedófilos, vítimas de extorsão ou de spywares e vírus? Será o governo, representado pela Polícia Federal e os peritos no setor?

Estamos falando deste mesmo governo que nos últimos 15 anos parece não ter a menor idéia de noções simples como concorrência de mercado emtelecomunicações, internet, software e inclusão digital.

Logo, qual o motivo real para nos levar a crer que, da noite para o dia, o governo e seus parlamentares agora entendem de crimes cibernéticos cujos protagonistas são, em sua grande maioria, hábeis na arte do anonimato e da dissimulação?
Nenhuma das perguntas acima é respondida nas três páginas da íntegra do projeto de lei. Você não leu errado, são três páginas.

Mais curioso ainda é como um crime tão hediondo colocaria um condenado em cana por apenas um a quatro anos (art. 241-B). Some a redução de 1/3 da pena por bom comportamento na prisão, outras regalias que os advogados conseguem e voilá. Há penas ainda menores, vale a pena ler o documento.

O mesmo artigo 241-B prevê uma diminuição da pena em até 1/3 se o material armazenado for de “pequena quantidade”. O que significa pequena quantidade? Ninguém sabe. E há mesmo diferença entre um vídeo pedófilo e dez? Por que?

As boas intenções do projeto de lei parecem ser as melhores possíveis. Mas de boas intenções, o inferno está cheio. É de se questionar um texto tão rasteiro e tecnicamente medíocre para um crime tão grave como a pedofilia.

Para quem elogia o projeto de lei do senador Eduardo Azeredo, sobre crimes cibernéticos, até que não é exatamente uma surpresa.

A vida real é logo ali na esquina

A posse e o armazenamento intencional de material pornográfico-infantil é condenável sob qualquer aspecto.

Os juristas reclamam que, na Operação Carrossel 1 e 2, da Polícia Federal, apenas duas pessoas foram presas. Em tese, porque a lei atual não considera crime a posse de fotos de pornografia infantil.

Agora vamos ao nosso bairro, nossa cidade. As suspeitas de pedofilia na prática, que nada têm a ver com internet ou tecnologia, estão por todos os lados. Quantos casos são investigados? Ninguém sabe.

O sistema de denúncias de pedofilia da Secretaria Especial de Direitos Humanos, em Brasília, recebe nada menos do que 1.600 telefonemas por dia. É um dado oficial, repassado por eles.

No Orkut, os representantes do Google dizem, oficialmente, ter liberado informações (para a CPI da Pedofilia) sobre algo em torno de 19 mil álbuns com fotografias de abusos sexuais de crianças. Segundo investigação da mesma CPI, usuários do Orkut vendem fotos de menores por US$ 800 a US$ 1.000.

Você também não leu errado, são dezenove mil álbuns nesta praga chamada Orkut.

Para onde vai a CPI da Pedofilia? Quem irá punir? E as denúncias diárias que não são investigadas, nas capitais? E os notórios casos de pedofilia comprovada nas cidades pelo interior do Brasil, que a Polícia Federal sequer pisa no local? Também sofrerão punição?

Os integrantes da CPI, como se sabe, são os nossos ilustres parlamentares. Os mesmos por trás de CPIs mui frutíferas como a CPI da Nike, CPI dos Sanguessugas, CPI do Orçamento, CPI do Narcotráfico, CPI do Mensalão, CPI do Judiciário, CPI do Apagão Aéreo e a lista segue.

Como todos sabemos, os frutos das CPI acima citadas sempre foram os melhores para o Brasil, tornando-o um país mais justo, menos desigual, menos corrupto e com todos os culpados na cadeia. (é uma piada, para quem não entendeu)

O poder de uma CPI é muito grande e, ocasionalmente, consegue gerar provas contundentes. O que ocorre depois, contudo, é um mistério. Bate no Ministério Público e volta; bate no Poder Judicário e volta; um ping-pong do crioulo doido.

Deu no New York Times

A falta de tipificação dos crimes de pedofilia é considerada um dos principais entraves à punição dos pedófilos. E sobram os elogios de como o Brasil entrará para a vanguarda e poderá ser um exemplo para a comunidade internacional.

Essa síndrome de “Deu no New York Times” como ratificação de importância é muito perigosa em um terreno tão sombrio e asqueroso como a pedofilia, diante da infinitude de armas tecnológicas disponíveis a distância de um clique.

Pergunto-me se um pai prefere os aplausos da comunidade internacional ou a devida investigação das milhares de denúncias que pipocam todos os dias sobre pedófilos na vizinhança, não necessariamente plugados na internet.

No Rio de Janeiro, recentemente prenderam o americano Enneth Andrew Craig, 40 anos, há sete residindo no Brasil. Nos EUA, já foi condenado e responde a processos por crimes de abuso sexual contra menores.

Fugiu para o Rio (ah, o Rio do New York Times…), morava em Botafoto e dava aulas de inglês para pagar as contas. Há seis anos.
Seu nome estava, desde sempre, na lista das 25 pessoas mais procuradas pela Justiça americana. A polícia do Rio (e a Federal) não sabiam de nada. Qual a surpresa? Quem avisou foi a embaixada americana, que por sinal deve ter tentado estabelecer contato há bastante tempo, sem sucesso.

Quantos Enneth Andrew Craig há no país? Nem polícia e nem governo sabem. E não é preciso uma lei nova para descobrir.
Como tudo no Brasil, as atuais leis são mais do que suficientes para coibir e conter a prática de pedofilia e vários outros crimes não-tipificados. Bastava que fossem cumpridas de fato e de direito.

Se o novo projeto de lei ajudar no combate à pedofilia, merece todos os aplausos. Não apenas para o projeto, mas também para quem acredita na União como cumpridora de metas.

Quem tem dúvidas sobre o papel da União, pode ler outro projeto de lei (PL84/1999) do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) sobre crimes cibernéticos. Com um nível absurdamente medíocre e fora da realidade.

É fácil reclamar publicamente do projeto Azeredo e fazer passeata na Av. Paulista. O mesmo não se pode dizer de um projeto contra pedofilia. Qualquer reclamação ou posicionamento contra pode lhe render acusações “estranhas” dos paladinos da integridade moral.

É preciso acabar com esse maniqueísmo importado; que os políticos adoram, por sinal. Rende voto.

Obs: Texto publicado em www.webinsider.uol.com.br

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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