Djanira Silva 4 de dezembro de 2008

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Dias, faces, almas numerados como as rodas de uma roleta. Perdi o rosto e a identidade. Não me reconheço. O mundo encheu-me de medo, temo as rotações por não senti-las. O invisível me atormenta. A vida, emprestada, me será cobrada a qualquer momento, mudando o sentido da roleta.
Choveu sobre as árvores. Quis contar os pingos que caíam, para transformar a chuva em números. Não pude. Tocavam no telhado como teus dedos finos tocavam no piano nas tardes dos domingos vazios que ainda hoje me atormentam, com o som melancólico da tua voz: “se soubesse cantar, não teria tristeza, se eu soubesse dançar seria feliz.”
Vejo-te dançando, o vestido branco transparente e leve, deixando adivinhar um corpo sinuoso a desafiar o mundo.
Ouço tua voz na noite. Cantigas de ninar, tristes, arrastadas. Ninguém te ensinou uma canção que falasse de rosas.
A saudade coloca flores nos teus cabelos, lágrimas no teu canto. Lágrimas do inconsciente, água do rio, espelho da face, espelho do teu tumulto, da certeza, da incerteza da tua melancolia porque te ensinaram que o homem é pó e, não querendo acreditar te perdeste nos caminhos da dúvida.
A gargalhada do inconsciente se propaga como a luz, como o som. Não é música. Não é esquecimento. Não me faz esquecer de ti.
Nasci explosão do teu Universo, no momento em que ganhei um rosto perdi o meu espaço. Quero encontrar o riso, o sorriso, a alegria da busca, do encontro.
A gargalhada me persegue ainda. Benefício da loucura. Estou feliz. Nela intercalei espaços. Imagens, momentos de rir e de chorar. Só quem sabe voltar disciplina a loucura das lembranças.
A mesa grande, o café à noitinha, o rádio tocando a Ave Maria. O cheiro do leite fervido, do pão de milho, do amor das seis horas. Minha vontade de voltar tem cheiro de café com leite, carne assando na brasa, a sopa quente, o bule fumegante, o da inocência perdida.
A chuva continua não pára. Conta histórias que já sei.
Não quero, mas sou um número, que se incorpora à natureza como as gotas da chuva.
Doei à terra minha certeza. A saudade me fez revelações. Não sabemos do homem que canta. Só sabemos dele quando chora, quando sofre, quando morre.
Canta a árvore da serra, a catedral da praça, as escadarias do convento. Terra molhada. Paz. Silêncio.
Número cheio de outros números, divido-me em frações e um dia a morte me reduzirá à expressão mais simples.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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