A celebração deste Natal não deve ser apenas a repetição de todos os natais que já vivemos e sim uma nova celebração da visita divina à humanidade. De acordo com a tradição cristã, o Natal não é somente a memória do nascimento de Jesus. É mais do que a celebração de um aniversário. É ocasião para celebrar a vinda do projeto divino de amor, paz e justiça que Jesus veio anunciar e trazer.
Neste tempo de final de ano, é comum que as famílias se encontrem. Mesmo irmãos que moram longe uns dos outros viajam à casa dos pais para passar o Natal outra vez juntos. Em uma destas famílias, quando um filho confirmou que viria, a velha mãe que sonhava em reunir a todos, respondeu: “Pode vir. Já está tudo preparado!” No âmbito da fé, a celebração do Natal tem este mesmo espírito: preparar a casa e o coração para acolhermos o mistério de amor e paz (que as religiões chamam de Deus) e que se oferece ao nosso alcance.
Neste Natal, a casa da humanidade está pouco preparada. Os meios de comunicação falam da crise econômica que assola o mundo, mas não aprofundam as causas, nem propõem caminhos de solução. As estatísticas revelam que o atual sistema econômico provocou um forte aumento da pobreza e da injustiça no mundo. Nas casas, as pessoas enfeitam as salas e armam presépios de madeira, mas Jesus continua a dizer bem alto: “É quando vocês socorrem um pequenino que acolhem a mim” (Mt 25, 31 ss).
Na América Latina, há muitos sinais de mudanças. Vários países aprovaram novas constituições políticas. Pela primeira vez na história, os mais pobres estão sendo sujeitos ativos de um processo de transformação social e política que não se limita a figuras importantes como o presidente da República ou tal chefe político. O processo envolve grupos e comunidades constituídos de pessoas pobres, índios, lavradores e gente de periferia urbana. Dificilmente, isso teria ocorrido em vários países se não tivesse sido preparado pela participação de cristãos nos grupos e movimentos sociais. Desde os anos 60, a Teologia da Libertação procurou interpretar a fé a partir das exigências da justiça e da libertação. Apesar de muitos sofrimentos e de contradições inerentes a todo processo deste tipo, para muitos latino-americanos, neste ano, isso significa poder celebrar um Natal novo e renovador.
Muitos se negam a crer em qualquer novidade e outros torcem o nariz procurando defeitos e erros nestes processos sociais e políticos. Os cristãos, diz a carta de João, são aqueles que acreditam no amor (1 Jo 3). Este Natal vem como uma interpelação para que cada pessoa se reveja e possa responder à questão fundamental: “Como você está de utopia?” . Em que você ainda crê e espera?
É claro que o termo “utopia” é ambíguo e pode significar uma esperança distante e sonhadora, irmã da alienação. Pierre Weil, nosso irmão que se foi recentemente, dizia que não gostava de falar de esperança porque sentia que era pouco mobilizador. Sua reação parecia a da antiga canção do Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. O Natal nos chama para uma espera ativa e comprometedora que vem, não tanto de uma análise fria da realidade, mas da opção do amor e do compromisso de se colocar do lado dos mais fracos e oprimidos. Esta é a proposta de Jesus. Quando o evangelho nos diz “a palavra se fez carne” (Jo 1, 14), está nos convidando a sermos cada vez mais humanos, como ele, Jesus, se tornou totalmente e profundamente humano. Carlos Drummond de Andrade interpretava isso ao dizer que, no Natal, imaginava o verbo outrar que, precisaria ser inventado na língua portuguesa. Na Amazônia que se prepara para acolher em Belém o 9º Fórum Social Mundial (janeiro de 2009) as comunidades cantam uma toada, composta e gravada pelo lavrador místico Manelão: “Dentro da noite escura, da terra dura do povo meu, Nasce uma luz radiante, no peito errante, já amanheceu”.
Para vocês todos, meus leitores e leitoras, desejo um Feliz Natal renovador e portador das melhores utopias e esperanças.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.