4 de janeiro de 2012
Lá fora as folhas balançavam na velha mangueira. Ruidosas, estranhas, violentas, bravas. Escuro. Estendeu à mão a frente do rosto. Não a viu. Mexeu os dedos. Fez gestos obscenos. Feios para um menino da sua idade. Não adiantou. Tateou em vão pelo quarto. Engraçado como nestas situações tudo parece enorme. A cama havia sumido. Mas, quinze minutos antes das luzes se apagarem, quinze minutos antes do transformador no outro lado da rua explodir, quinze minutos antes dele entrar correndo atrás do controle do vídeo game, a cama estava lá! Tinha certeza disso. O joelho encontrou a mesinha. Barulho. O abajur caiu no chão. Com certeza a mãe ia matá-lo quando visse os pedaços. Sentiu algo correr no seu pé. Sangue! Carambas sangue! Era só o que faltava!
Agora provavelmente o tapete azul claro estava cheio de pegadas. Gritou pela mãe. Uma, duas, três vezes. Ela não respondeu. Vai ver também tateava pela casa em busca de uma vela. Gritou de novo. Nada. Gritou pelo irmão. Nada. Pelo pai. Nada. Pelo cachorro. Esse sim apareceu no quarto. Percebeu que ele estava ali quando sentiu algo lambendo o corte no dedão.
Era errado um garoto de 07 anos sentir medo? Ainda mais do escuro. De repente lembrou-se do monstro debaixo da cama. Ele estava lá. Sabia disso. Ouvia sua respiração ruidosa. Ouviu um barulho esquisito. Um cheiro esquisito. Unhas no chão de madeira. Ele estava saindo de lá. Estava vindo do seu mundo feio e sujo para pega-lo. Gritou pela mãe desesperado. Ela não respondeu. Chamou pelo cachorro. Droga! Cadê o Spike nessa hora?
Ele ia devorá-lo e depois ainda ia soltar um arroto daqueles, típico de um monstro. Viu quatro pontinhos no escuro. Ele tinha quatro olhos! Começou a gritar e gritar. Plaft! A voz sumiu. Pensou em correr no escuro, mas as pernas estavam paralisadas. Moveu os braços. Ainda estavam soltos. Pensou num rápido plano mirabolante. Pensou em pegar algum objeto. Pensou em desferir um murro forte, semelhante a um daqueles desferidos por aquele jogador do jogo de luta. Respirou fundo.
O monstro estava mais perto. Era agora! Sentiu o fedor. Como fedia o monstro! Ouviu algo arrastando no chão. Devia ser o rabo. Ele tinha um rabo grande pelo barulho que fazia. Porque a luz não voltava logo? Começou a chorar. Chorar. Chorar. Queria a mãe, o pai e até o chato do irmão ali com ele. Porque todo mundo tinha sumido? Será que ele não era um bom menino? Mas ele sempre ajudava os velhinhos a atravessar a rua. Juntava o lixo direitinho. Recolhia os pratos da mesa depois de comer. Não deixava a toalha em cima da cama. Os sapatos jogados pela casa. Porquê?porquê? Fechou os olhos. Não queria ver aquela cena, se bem que já estava tudo escuro mesmo …
– Jorginho acorda filho. Acorda menino!
Abriu o olho direito. Depois o esquerdo.
Obs: Imagem enviada pela autora.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.
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