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O mundo inteiro assistiu as eleições presidenciais nos Estados Unidos, no modelo de show que tem sido comum nos dois partidos e que eles exportaram para outros países. Desta vez, por menos que se poderia esperar, Barak Obama, um negro e do partido democrata venceu e é o novo presidente do país considerado o mais poderoso do mundo. O processo eleitoral que é dos mais complicados do mundo não foi isento de irregularidades, mas os republicanos habituados em eleições anteriores a fazer desaparecer urnas e a mascarar resultados, desta vez, nem assim conseguiram impedir a esmagadora vitória de Obama. Apesar de que as pesquisas apontavam para esta vitória, ela não parecia possível e surpreendeu a sociedade internacional. Na realidade, esta vitória teve alguns aspectos novos. Parece ter sido a primeira vez que várias gerações se uniram para votar. As pesquisas revelaram que os eleitores de Obama eram pessoas de 18 a 20 anos, adultos engajados em transformar a realidade norte-americana e pessoas mais velhas que não estavam habituadas a votar. Além disso, o tema racial que, evidentemente, não podia estar ausente da campanha, não foi o tema dominante. Obama mostrou ser o candidato de brancos e negros e não adiantou a tentativa racista do seu adversário de fazer um discurso tradicional do branco mais experiente e que escolheu para vice uma mulher caçadora. Obama e os democratas venceram. Apesar de que os temas de campanha são conhecidos e alguns norte-americanos já começam a escrever ao novo presidente cobrando-os, ainda é cedo para dizer o que vai mudar na política interna e na relação entre o governo dos Estados Unidos e as outras nações.

A teóloga norte-americana Joan Chistitter sustenta que, no atual contexto da política mundial, além dos cidadãos dos Estados Unidos e até mais do que eles, deveriam ser os povos latino-americanos que deveriam eleger o presidente norte-americano, já que, em geral, a política externa deste governo incide diretamente sobre a vida e o futuro dos nossos povos.

Na contramão desta tese, a maioria dos latino-americanos conscientes não quer votar em presidente dos Estados Unidos. Isso seria de alguma forma legitimar a ocupação e o colonialismo. Optamos todos por uma América Latina livre e toda integrada, na qual o governo dos Estados Unidos não possa intervir nem militar, nem economicamente. É preciso acabar com a tradição dos cowboys armados que, depois de matar os índios do seu país, invadem nossos países, estimulam golpes militares, derrubam governos democráticos e quando podem assassinam a líderes populares. Em um século, a América Latina sofreu 204 invasões dos marines norte-americanos, teve vários de seus líderes políticos e presidentes assassinados por ordem da CIA e até hoje, por cada dólar que recebe dos norte-americanos, tem de devolver 16 ou 18 vezes mais.
Atualmente, vários governos populares do continente têm dado sinais de uma nova independência com relação aos Estados Unidos e esta nova eleição em nada mudará este quadro.

Barack Obama não parece ter nenhuma proposta nova ou revolucionária com relação à América Latina, mas qualquer postura mais inteligente do que a de Bush será menos desastrosa e já é positiva. Bush foi uma tragédia tão grande para os próprios Estados Unidos que qualquer alternativa será melhor. Nenhum presidente antes tinha decidido que os gastos com defesa e segurança chegassem a 20% do PIB, enquanto só 3% fossem investidos em educação. Nenhum declarava considerar normal que o país com pouco mais de 6% da população mundial gaste mais de 25% da energia posta à disposição de toda a humanidade. Nenhum presidente anterior se cercou de um grupo de facínoras, ligados às indústrias de armas que consideram normal invadir um país e metralhar sua população civil só para dar uma lição em algum esquerdista que possa ali ter se escondido.

O novo presidente dos EUA herda um país em recessão econômica, em depressão social e em grave crise ética. “Os Estados Unidos têm uma população de 300 milhões de pessoas, das quais 37 milhões, ou seja, 12, 6 % vivem na faixa de extrema pobreza. Um em cada quatro negros, 21% dos hispanos que vivem nos Estados Unidos e 8, 3% dos brancos nascidos ali vivem literalmente na miséria. O economista norte-americano James Petras pensa que a taxa de pobreza e desigualdade social nos Estados Unidos ainda seja pior e mais grave” (Cf. Ultimas Noticias, El Mundo, 02/11/ 2008, p. 70).

O governo brasileiro manterá relações diplomáticas amistosas e pacíficas com todos os países e, portanto, também com os Estados Unidos. Mas, diplomatas e estudiosos do processo político sabem que o futuro do Brasil depende mais da nossa capacidade de integração no continente e de nossa participação no processo revolucionário latino-americano do que de relações diplomáticas com o governo dos Estados Unidos.

Para muitos latino-americanos, este caminho novo não é apenas uma opção estratégica, ditada pela realidade, mas expressa uma convicção espiritual. Qualquer que seja a tradição religiosa, ou mesmo além de qualquer pertença religiosa, a espiritualidade leva as pessoas a aprofundar uma visão mais crítica e transformadora da realidade e a assumir como critério de fé a solidariedade amorosa. Nas Igrejas cristãs, para muita gente, esta é a expressão que o seguimento de Jesus assume concretamente.

*Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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