(Palavras de Marcelo Barros
ao receber o título de Cidadão honorário de Goiânia)
Câmara Municipal de Goiânia, 18 de novembro de 2008
Queridos amigos e amigas,
Concidadãos desta querida cidade que me recebe, hoje, oficialmente como filho.
Peço desculpas por não seguir o ritual de começar minha palavra saudando especialmente cada autoridade presente. Isso já foi feito na palavra de outros companheiros e eu endosso este agradecimento que já foi feito. Se eu citasse ainda o nome de autoridades presentes, deveria citar o nome de cada um/a de vocês aqui presentes que vieram aqui para me honrar com sua amizade e seu apoio a esta homenagem que recebo da cidade. E eu citaria em primeiro lugar a emoção que é para mim a presença nesta Casa do Povo, sentados como se fossem vereadores, dos meus irmãos e companheiros do Movimento dos Trabalhadores sem Terra. E especialmente a presença dessas dez ou doze crianças sem terrinha que vieram aqui para me encontrar e me homenagear. Além disso, a presença do grupo negro que veio revestir de arte e música este encontro e, bom, repito, a presença de cada um de vocês.
Quando o mistério é grande demais, dizia St Exupéry, a gente não ousa desobedecer. Para mim, o mistério, ou seja, o que está por trás desta cerimônia tão bonita e tocante é a amizade. Não vejo outra razão para esta homenagem. Não tenho feito nada de importante por Goiânia e nem sou uma pessoa importante para receber um título como este e cercado de autoridades federais, do Estado e do município. A única explicação é a amizade. E amizade, a gente não rejeita. Ao contrário, agradece e aprofunda. E é isso que quero. Penso que este título compromete vocês na minha luta para que todas as pessoas que moram em Goiânia possam ser reconhecidas plenamente e verdadeiramente como cidadãs.
Certamente, muitos aqui sabem que os monges antigos, ou ao menos muitos monges antigos faziam voto de auto-exílio. Eles rasgavam documentos de identidade e de cidadania para lembrar às autoridades e ao povo que ninguém pode se restringir somente a uma cidade e que todos somos peregrinos e itinerantes neste mundo. Hoje, pelo mesmo motivo que eles rejeitariam um título como este, eu o aceito e o propago.
Em 1994, eu o recebi na Cidade de Goiás e com muito orgulho e afeição, como recebi no mês passado, em minha cidade natal, Camaragibe, PE, o título de membro honorário da Academia Camaragibense de Letras.
Hoje, vivemos em um mundo, no qual as culturas têm dificuldade de dialogar e colaborar para a construção da paz e da justiça. As próprias Igrejas e instituições religiosas, até mosteiros, se encantam com a tentação de se transformar em seitas e se fechar sobre si mesmas. Neste contexto, é bom assumir um título de cidadania para viver a abertura permanente ao mundo e para recordar aos irmãos que somos todos apenas e tão somente pessoas humanas. E isso é o melhor título e a melhor cidadania que podemos viver.
Nos Andes, os índios Aymara me ensinaram um conceito que tem muito a ver com este título de “cidadania”. É o conceito de “pachacuti”. De fato, dizem os índios, nosso mundo está de cabeça para baixo, os valores estão todos transtornados e vale a pena assumirmos o papel de pachacuti, daqueles que, por sua conduta e sua prática cotidiana, põem o mundo novamente erguido sobre valores de amor e justiça. É isso que vocês me fazem recordar. Como diz um poema que indica um rumo à vida e a todas as nossas ações: “Além da Terra, além do Céu/ no trampolim do sem-fim das estrelas, / no rastro dos astros,/ na magnólia das nebulosas,/ Além, muito além do sistema solar, / até onde alcançam o pensamento e o coração, / vamos!/ Vamos conjugar/ o verbo fundamental essencial,/ o verbo transcendente, acima das gramáticas, e do medo e da moeda e da política, / o verbo sempreamar, / o verbo pluriamar, / razão de ser e de viver” (Carlos Drummond de Andrade).
Obs: Na 3a feira, 18 de novembro, às 10 horas, na Câmara Municipal de Goiânia, o irmão Marcelo Barros recebeu dos vereadores o título de Cidadão honorário de Goiânia. Nesta ocasião, ele agradeceu a homenagem com palavras acima.