Foi quando morri. Apareceu-me um anjo.
Grande, sereno, imperturbável.
– Que fizeste lá?, perguntou-me.
– Nada. Alguma poesia.
– Isso muitos fazem, retrucou. Que mais?
– Respirei.
– Isso, mais ainda. Algo mais?
– Dormi, sonhei, o de sempre.
Olhou-me sem paixão. Era um anjo
(não havia como enganar-me,
embora não mo tivesse dito).
Fez menção de ir-se. Perguntei-lhe:
– E agora?
– Nada. É aguardar.
– Ele?
– Quem mais?
– É verdade que usa barbas? Sempre achei esse fato extraordinário.
Quase riu. Mas era um anjo,
estava a serviço.
Voltou-me as costas, mas antes de ir
disse-me:
– Toma. Vou emprestar-te.
– ?
– A antologia poética organizada aqui.
– ! !
E tirou, não sei de onde,
um grosso volume, que passou-me.
Grande, sereno, impassível.
Interpretei esse gesto como um ato de simpatia
(embora não mo tivesse dito).
Após o que, foi embora caminhando,
nunca mais o vi.
Ainda não sei se Ele tem barbas.
Enquanto isso, tenho ocupado meu tempo
a ler o volume, a respirar
dormir, sonhar, o de sempre.