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Mãe, já faz mais de vinte anos que não estás mais aqui. São 22 anos em que tenho lamentado a tua ausência, e lamentado principalmente não ter te dado um abraço a mais, um beijo a mais, não ter te dito palavras mais doces, enquanto poderia fazê-lo.

Não sei se podes me ouvir, agora. Talvez aí onde estejas os sentidos não sejam necessários, e possas simplesmente ler meus pensamentos, como sabias tão bem fazer quando ainda estavas conosco. Talvez nada disso seja importante aí, e agora tenhas outras ocupações espirituais, celestes, angelicais, que sei eu?

Pelo sim pelo não, mãe, e também para tentar iludir-me um pouco de que estás de novo aqui ao meu lado, escutando-me carinhosamente como sempre fazias, escrevo-te esta carta, mesmo que não faça idéia sobre como poderás recebê-la.

Quero que saibas que nesses tempos depois de tua partida, o mundo mudou muito, não estou certo de que para melhor. Há agora uma parafernália eletrônica por toda parte. Acho que irias gostar da internet e do telefone celular. Lembras-te da casa onde moramos nos últimos anos? Ainda está lá, até que com poucas mudanças. Em compensação, a rua, antes calma, agora é um reboliço de carros e de gente.

Mas não sei se estás interessada em saber dessas coisas mundanas, ou mesmo se muito bem já sabes de todas essas bobagens dos homens. Não me atrevo a perguntar-te, por outro lado, sobre as coisas daí. Talvez porque intua que, se fosse para contar-me sobre elas, já o terias feito.

Imagino que já tenhas encontrado, muitas vezes, teu segundo filho, meu irmão que também precocemente, como tu, deixou-nos. Como gostaria que estivessem os dois aqui! Sei que qualquer dia desses eu é que irei aí reunir-me a ti e a ele, mas confesso não ter pressa, embora haja momentos em que nem faça questão, se tiver de ir logo, vou tranqüilo.

Saibas porém que tua nora, a quem tanto amaste também, iria ficar muito triste se isso acontecesse antes da hora, assim como aconteceu com tua outra nora, mulher dele. Nem chegaste a ver que tens também uma terceira nora, mulher do teu caçula. E uma outra neta. E um bisneto! É, mãe, a família aumenta, apesar das perdas que doem tanto.

Como não envelheceste aqui, não podes dar-me orientação sobre a melhor maneira de fazê-lo. Tenho sentido, nesse como em vários outros pontos, a tua ausência. Fico imaginando o que estarias fazendo se pudesses ter desfrutado de uma aposentadoria, demorado mais conosco, ficado velhinha em nosso convívio.

Outro dia-das-mães se aproxima, então escrevo-te esta carta para dizer o que deveria ter dito mais vezes antes: que te amo. Quanto a isso, e só quanto a isso, tanto faz se estás aqui ou não.

A bênção, mãe, e muitos beijos do seu filho mais velho,

Walter.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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