Saulo Marden 8 de abril de 2008

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No ano seguinte a seca continuou. Pai nem deixava o dia clarear já estava no campo. Costumava levantar cedo. Dizia, é a melhor hora para a saúde e puxava o ar enchendo os pulmões. Em frente a um ninho de burguesas ele admirava os filhotes piando a espera de comida. Ao me aproximar disse: “Os homens, meu filho, gostam da liberdade, no entanto, não vêm que os pássaros também precisam dela para voar, comer, cantar, fazer ninho em qualquer árvore, garantir a continuidade da espécie, perversamente prendem, matam por prazer, para comer, sem se preocupar com o futuro, se continuar desse jeito, em breve, não sobrará um pra remédio, você hoje é passarinho, nem precisa me dizer pra que veio, sei que quer ir embora, voar pra capital, do mesmo jeito que eles, aqui você não tem futuro, guardei um dinheiro para quando essa hora chegasse, dá para agüentar enquanto não arranja emprego, quando arrumar um, gaste pouco, nessas cidades grandes, dinheiro é tentação, fico mais tranqüilo porque sei que é controlado, quanto aos estudos, o que sabe, é pouco para vencer na cidade, mas soube que tem uns cursos à noite que pode fazer. Alice me disse que são de graça. Lembre-se, vai enfrentar gente letrada, os que conhecem as teorias sobre o solo, sobre a seca, mas nada fazem por nossa região, só se preocupam com poder e dinheiro, se resolver voltar um dia, lembre-se de fazer alguma coisa pelo povo que não teve chance de sair daqui.”

Pelo caminho de costume deixei a fazenda montado em Alazão que naquele dia, estava diferente, parecia entender a partida, reagindo às rédeas. O gemido da cancela doía na alma. Por onde passava era motivo de cochilo: “Don, o filho do coronel Nô está indo embora”. Naquela época me chamavam assim. Entrei no ônibus sem olhar para trás. O coração trancado. A decisão tomada; lutar para crescer……

Obs.:Texto extraído do livro do autor – “O Avesso” pág. 35/36.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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