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Com a primeira lua cheia da nova estação (primavera do hemisfério norte e outono no sul), a Páscoa, neste ano, ocorreu mais cedo. Ela convida fieis de todos os caminhos espirituais e pessoas, crentes na vida e no ser humano, a testemunharmos esta energia de ressurreição que está em ação mesmo invisível para renovar a humanidade e toda a natureza. Quase todo mundo parece concordar em crer nisso. O difícil é saber por onde começar para colaborar com este caminho pascal. Não deixa de ser significativo que, enquanto as celebrações tradicionais da Igreja recordam as primeiras testemunhas da ressurreição, comunidades latino-americanas fazem, nesta semana, memória de uma testemunha fundamental para toda pessoa que ama a Páscoa e deseja um mundo novo mais justo e de paz: nesta segunda feira, 24 de março, comunidades cristãs e movimentos populares celebraram a memória do martírio de Monsenhor Oscar Romero, assassinato pelos esquadrões da morte em El Salvador (1980).

A figura de Oscar Romero é emblemática. Bispo católico tradicional, pouco a pouco, descobriu que sua função principal não podia restringir-se apenas ao religioso. Como testemunha de Jesus ressuscitado, ele devia defender a vida dos mais pobres e perseguidos, assim como apoiar ativamente os movimentos que trabalhavam pacificamente para transformar a sociedade. No século III, Irineu, bispo de Lyon, dizia: “A glória de Deus é a vida do ser humano”. Dom Romero concluiu: “Dar glória a Deus é defender a vida dos pobres e de todos os que sofrem injustiças”.

Em El Salvador, menor país da América Central, 50% dos habitantes eram obrigados a sobreviver com menos de 10 dólares. Desde 1932, os EUA sustentam governos militares ou controlados pelos generais. Ao consagrar sua vida e sua missão para transformar a sociedade, Romero atraiu sobre si a intolerância e o ódio de toda a elite que se beneficiava daquela injustiça estrutural. Ameaçaram-no de morte esperando que ele se intimidasse e recuasse de seu trabalho cotidiano de apoio aos mais pobres. Até hoje, ressoam para nós as palavras pronunciadas por Romero pouco antes de morrer: “Freqüentemente, tenho sido ameaçado. Como cristão, não creio em morte sem ressurreição. Se me matam, ressuscitarei no povo salvadorenho(…). Como pastor, estou obrigado a dar a vida por aqueles que amo que são todos os salvadorenhos, até pelos que vão me assassinar. Ofereço a Deus o meu sangue pela redenção e pela ressurreição de El Salvador. O martírio é uma graça que não creio merecer. Mas, se Deus aceita o sacrifício da minha vida, que meu sangue seja semente de liberdade e o sinal de que, em breve, a esperança se tornará realidade…”.

De fato, ele não queria morrer, mas acreditava que o caminho para a intimidade com Deus passa pela solidariedade aos irmãos e irmãs, especialmente aos mais carentes e oprimidos. Afirmava que, sem a prática da justiça e o compromisso pelos direitos humanos, a adoração a Deus é fantasia narcisista. No dia 24 de março de 1980, quando celebrava a eucaristia na capela de um hospital, foi baleado e morreu instantaneamente. Para mostrar como a sociedade estava polarizada, naquela noite, em um colégio de freiras da capital, estudantes de classe média fizeram uma festa para comemorar a morte do arcebispo. Enquanto isso, milhares e milhares de pobres choravam na catedral diante do corpo. Até no momento do sepultamento, os militares atiraram contra o povo que celebrava a missa do funeral.

Hoje, se torna cada vez mais atual recordar a memória de pastores cristãos como Romero para relembrar às nossas Igrejas o compromisso profético de servir ao povo, comprometendo-se com as grandes causas da humanidade. A memória de Dom Romero nos lembra a urgência de continuar a sua luta pela justiça do Reino de Deus como caminho pascal de intimidade com Deus e testemunho de amor a Jesus Cristo ressuscitado.

O fato de que ele e tantos salvadorenhos deram a vida pela justiça e pela paz faz-nos hoje alegrar-nos em saber que, seja como for, El Salvador superou a guerra assassina e vive dias mais pacíficos. Embora os desafios sociais e políticos continuem atuais, a semente da paz e da não violência, plantada por Romero, floresceu. É Páscoa e há muitos sinais de ressurreição. Por isso, devemos nos manter unidos na esperança de uma vitória final da vida e, na memória do martírio de Romero, cantar junto com o monge budista Thich Nhat Hanh, muitas vezes candidato ao prêmio Nobel : “Quando o dia começa e o sol nasce, prometa que, hoje, mesmo se uma montanha de ódio e violência cair sobre você, prometa-me, irmão, que lembrará que nenhum ser humano é nosso inimigo.(…) Pelo ódio nunca se poderá enfrentar a fera que está no coração humano. (…) Mesmo sozinho, irei de cabeça baixa, sabendo que o amor é imortal. E no caminho longo, difícil, o sol e a lua esplenderão, iluminando os meus passos”.

*Monge beneditino, teólogo e escritor.
www.empaz.org/

Obs: Imagem enviada pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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