ícones para a nossa “sergipanidade”.
No ensaio desta semana, gostaríamos de voltar a falar sobre o tema da “sergipanidade”. Já o fizemos, un passante e incidentemente, em “O Fisco, o Governo, a Justiça e a Sociedade”, quando questionamos as formas – tímidas, irresponsáveis e politiqueiras – de resolução propostas, quanto ao reenquadramento dos fiscais de tributo do Estado.
Naquele momento, lançamos a tese da sergipanidade latente e da sergipanidade manifesta e, destarte, assentimos, citando Rui Barbosa, que “toda a capacidade dos nossos estadistas se esvai na intriga, na astúcia, na cabala, na vingança, na inveja, na condescendência com o abuso, na salvação das aparências, no desleixo do futuro”. Ou seja: muitas vezes, nas ações dos homens de nomeada em Sergipe, aquilo que se diz e faz oficialmente – o manifesto – é, simplesmente, um subterfúgio para implementar aquilo que não se quer ou não se pode dizer, ou fazer, às claras. Porque, latentemente, a intenção é outra e, no caso sergipano, sempre tem a ver com a possibilidade de se protrair, ad infinitum, no Poder e de não contrariar os interesses da elite econômica e política que comanda o Estado. Esse traço característico e distintivo da nossa sergipanidade é triste e repugnante. Mas é uma realidade. É só nos lembrarmos do TCE sergipano.
Mas, hoje, gostaríamos de trazer a comento, para a nossa reflexão, três personagens intelectuais, (re)escritores do pensamento nacional, que nos poderiam servir bem de exemplos a serem seguidos. Um já morreu, mas deixou o seu legado: Rui Barbosa. Os outros dois, ainda sobrevivem, muito embora a desumana oposição que, voluntariamente, escolheram ter para si, porque não se renderam – como muitos intelectóides o fizeram para serem reconhecidos pelo establishment intelectual, acadêmico e político – à massificação cultural, moral e política que nos é imposta, diuturnamente, pela mídia e pelas forças totalitárias que dominam o cenário governamental deste país. Trata-se, esses dois, do filósofo Olavo de Carvalho (http://www.olavodecarvalho.org/) e do escritor – defensor contundente do ideário da família natural como base essencial de uma sociedade – Júlio Severo (http://juliosevero.blogspot.com/). Falemos, um pouco, de cada um deles.
Disse-nos, Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
A epígrafe acima entrou para a historiografia do pensamento brasileiro em 1914. Muitos, no contexto atual do nosso país – onde a corrupção política, cultural e moral impera de modo assustador e preocupante – a usam. Recorrentemente, vejo autores, ensaístas, jornalistas, intelectuais em geral, usando esta famosa e impactante frase de Rui Barbosa. O que poucos sabem é o que ele disse logo em seguida a esta frase. Chego a pensar que esse recorte, feito pelos pensadores republicanos brasileiros, talvez, tenha sido realizado conscientemente, a fim de não se publicizar aquilo que, para ele, era o mais importante no que foi dito.
A frase seguinte é: “Esta foi a obra da República nos últimos anos”. Com isso, Rui Barbosa se rende e reconhece que a República que ele ajudou a fundar (e na qual estamos afundados até hoje!), estava a se tornar, já no seu nascedouro, uma res publica de corruptos. Imediatamente a isso, a reação a ele, por parte das forças políticas daquela conjuntura, foi contundente e avassaladora. Mas ele não se rendeu, mesmo sofrendo forte oposição, e reconheceu que a República, como forma de governo, era ilegítima e propícia a todo tipo de corrupção estatal e para-estatal. Imaginemos nós, naquele contexto, como foi difícil para Rui Barbosa se posicionar, deste modo contundente, a favor da volta à Monarquia e a reação pusilânime dos que outrora eram aliados. Rui Barbosa era, naquele contexto, um “drôle de type” e, pela sua coragem em reconhecer erros e desafiar o establishment intelectual e político, um paradigma a ser seguido por nós sergipanos, sobretudo, neste momento, em que, em nosso Estado, encontramos veias abertas de corrupção.
Olavo de Carvalho, um gênio indomável e incansável, que Deus nos deu a graça de ser brasileiro, na linha de Rui Barbosa, é outro que não se rendeu às forças operantes e dominadoras do nosso Brasil. Ele é um dos poucos que tem, categoricamente, reagido a esta onda totalitária que vem tomando força no Brasil. Se antes nos preocupávamos em transformar o nosso Estado Democrático de Direito em Estado de Direitos Democratizados, hoje, a preocupação premente e inadiável que temos que ter é em não deixar que o nosso Brasil se transforme em um Estado Totalitário de Esquerda ou de Minorias. Nesse sentido, Olavo de Carvalho é um exemplo a ser seguido por nós sergipanos a fim de que possamos sair da posição letárgica em que nos encontramos frente a diversas situações que, especificamente, atinge-nos.
Nesta perspectiva, ele nos diz: “A incapacidade de um povo para perceber os perigos que o ameaçam é um dos sinais mais fortes da depressão autodestruiva que prenuncia as grandes derrotas sociais. A apatia, a indiferença ante o próprio destino, a concentração das atenções em assuntos secundários acompanhada de total negligência ante os temas essenciais e urgentes, assinalam o torpor [adormecimento] da vítima que, antevendo um golpe mais forte do que poderá suportar, se prepara, mediante um reflexo anestésico, para se entregar inerme, e semidesmaiado nas mãos do carrasco, como o carneiro que oferece o pescoço à lâmina. Mas quando o torpor não invade somente a alma do povo, quando toma também a mente dos intelectuais e a voz dos melhores, já não se ergue senão para fazer coro à cantilena hipnótica, então se apaga a última esperança de um redespertar da consciência.”. Que nós sergipanos, não nos rendamos a este ponto, sem volta, de letargia individual e social.
Por fim, Júlio Severo, ícone da moral e dos bons costumes da família brasileira, é-nos um exemplo a ser seguido. Júlio Severo é um desses que, atento ao que nos alertou Rui Barbosa em 1914, mesmo sofrendo na pele, com sangue, suor e lágrimas, a oposição dos Gigantes imorais desta nação, não desanimou da virtude, não riu da honra, e não teve e não tem vergonha de ser honesto e lutar pelos valores morais da família brasileira.
Se a nossa sergipanidade refletir o caráter desses três homens públicos, em absoluto, seremos seres humanos, individual e coletivamente, melhores.
(*) Advogado
Mestre em Direito – UFPE.
Professor da UFS – ([email protected])