“Queremos Pedro II, ainda que não tenha idade. A nação dispensa a lei. Viva a maioridade!”
A epígrafe acima foi lançada em 1840, num panfleto dirigido à sociedade brasileira na campanha promovida pelos liberais para que Pedro de Alcântara, filho de D. Pedro I e da arquiduquesa D. Leopoldina de Áustria, então, com 15 anos, assumisse, de imediato, as funções de Imperador. Estávamos, nesse interregno da abdicação de D. Pedro I, vivendo o denominado Período Regencial, onde o governo era exercido por três Regentes escolhidos pelos deputados e senadores, até que Pedro de Alcântara atingisse a maioridade constitucional que era 21 anos, segundo o texto original da Constituição de 1824.
O contexto – ou pretexto – para que ocorresse a “campanha da redução da maioridade”, segundo nos conta a historiografia tradicional, era que, devido à descentralização do poder, ocorrida com a assunção das Regências, os vários levantes e revoluções sociais que começaram a eclodir, poderiam levar à desestabilização política e social do recém constituído Estado Brasileiro. Em assim sendo, os grupos políticos dominantes, começaram a disseminar, por toda a nação, o sentimento de que era vital para a afirmação da soberania e independência da mesma, no plano interno e internacional, a redução da maioridade constitucional do Imperador. E essa idéia “vendida” à sociedade brasileira da época, como “o melhor a se fazer”, ganhou força de modo a se tornar um “clamor popular”, um verdadeiro “Vox Populi, Vox Dei” (A voz do povo é a voz de Deus). Ou, na linguagem dos nossos políticos de hoje: “é o povo que quer! Então, seja!”. Assim, acabou-se alterando o preceito constitucional e Pedro de Alcântara, em 18 de julho de 1841, aos 15 anos – já que estabeleceram a maioridade a partir dos 14 anos – assumiu o trono, tornando-se D. Pedro II, o Magnânino, Imperador do Brasil.
Ora, mas o que tem a ver tal episódio tão distante da vida social e política brasileira com o grande debate que se inicia agora em torno da redução da maioridade penal? Muitas lições podemos tirar de tal fato da nossa história. A mais importante delas é a de que, assim como ocorreu nesse momento Imperial do Brasil, onde se “vendeu” a falsa idéia de que, com a redução da maioridade (civil) e a conseqüente assunção do imperador D. Pedro II, os problemas enfrentados pela forma de governo da nação seriam prontamente resolvidos – como de fato não foram, tanto é assim que, sabemos, em 1889, o regime imperial não mais resistiu e o Brasil virou República – , assim pode se dar no que diz respeito à pretensão de se reduzir a maioridade penal como política pública de contenção da criminalidade e da violência.
Enxergamos nesse novo debate que surge sobre a redução da maioridade penal, algo semelhante ao episódio acima descrito. Exatamente, porque o pano de fundo que enseja a nova formação de uma ação política e social a respeito da temática é o de que a redução da maioridade penal seria um importante instrumento estatal para a contenção dos altos índices de criminalidade e violência que assolam a sociedade brasileira como um todo (o povo de Monte Alegre-SE que o diga!). Não, peremptoriamente, não o é!
Mas também não quero dizer com isso, de plano, que a adoção de uma menor idade para a imputação penal (no caso, os 16 anos), seja uma medida errada. Temos que fazer algumas análises e delimitações a respeito do assunto, antes de nos posicionarmos, para não incorrermos nos mesmos erros dos que defendem uma ou outra idéia. Vamos por parte.
Mas, seja qual for a tese a ser defendida – a da redução ou não -, a crítica, inicial, contundente e categórica que podemos fazer ao que está sendo proposto e vendido à sociedade é: a redução da maioridade penal, como se tem colocado, não é e não deve ser considerada pelo Estado como instrumento de redução dos índices de criminalidade e violência. Se, por exemplo, já estívessemos estabelecido que a menor idade de imputação penal seria os 16 anos isso não nos garantiria que um caso semelhante ao de Monte Alegre não aconteceria. Isso porque as questões que envolvem a criminalidade e a violência sociais são mais profundas e complexas. Tem a ver não só com as políticas públicas de segurança e execução penal do Estado, mas também – e eu diria até “sobretudo” – com os valores sociais e os dramas individuais da alma humana.
Pois bem. Nesse contexto, na última semana, a CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado Federal, aprovou, por 12 a 10 (são 23 senadores que a compõem), a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal no país. Em assim sendo, novamente, tal iniciativa legislativa traz aos palcos da sociedade brasileira a discussão sobre se devemos ou não antecipar a maioridade penal para os 16 anos. Tal PEC será objeto de muita discussão ainda, pois, para ser promulgada, precisa ser apreciada e aprovada em dois turnos, tanto pelo plenário do Senado, quanto pelo plenário da Câmara dos Deputados.
Seja como for, de lá para cá, já começamos a ouvir, de especialistas no assunto ou não, argumentos contrários e a favor da redução da maioridade penal. Assim, antes de nos posicionarmos, precisamos consecutar, nos nossos próximos ensaios, algumas análises que são fundamentais para a nossa tomada de decisão.
Destarte, procederemos a quatro análises que reputo fundamentais para formarmos nossa opinião a respeito do assunto. Quais sejam: 1) em primeiro lugar, o modo como o nosso sistema jurídico atual disciplina a questão e os fundamentos principiológicos de tal delineamento; 2) em segundo lugar, precisamos comprender as razões sócio-político-cultural-econômicas que ensejaram a retomada de tal discussão no Senado Federal; 3) em terceiro lugar, como o mundo ocidental e oriental pensa e tem estabelecido nos seus sistemas jurídicos a imputabilidade penal; 4) Em quarto lugar, o que a sociedade sergipana, que é eminentemente cristã, pensa sobre o assunto.
Ao final dessas análises, penso que teremos alguns fundamentos para defender uma ou outra tese e assim poderemos responder, um pouco mais embasados, a grande questão: “Qual a menor(idade) penal?”.