`A 1ª encíclica de Bento XVI “Deus é Amor”, segue-se agora a Exortação Apostólica “O Sacramento do Amor”. É o documento do magistério pontifício que promulga com autoridade apostólica as conclusões do XI Sínodo dos Bispos, que encerrou o Ano eucarístico, promulgado por João Paulo II. Iniciado em outubro de 2004 com o Congresso Eucarístico Internacional de Guadalajara (México), foi encerrado, já no atual pontificado, em outubro de 2005, com o Sínodo dos Bispos sobre o tema “Eucaristia – fonte e ápice – da vida e da missão da Igreja”.
O documento consta de três partes: Eucaristia, mistério acreditado (a fé eucarística da Igreja) – mistério celebrado (a celebração da Eucaristia) – mistério vivido (as conseqüências para a vida cristã do mistério eucarístico).
“Mistério da fé!” – exclama o sacerdote, após proferir as palavras da consagração na Missa. Fé e sacramentos são dois aspectos complementares da vida eclesial – ensina o Papa.”A fé exprime-se no rito e este revigora e fortifica a fé” – conclui o Sínodo dos Bispos. E Bento XVI acrescenta: “Graças à Eucaristia, a Igreja renasce sempre de novo. A história da Igreja testemunha que toda reforma da Igreja está ligada à redescoberta da fé na presença eucarística do Senhor no meio de seu povo.” E aí o documento se estende em tratar das relações entre a SS. Trindade e a Eucaristia, “o pão de Deus que desce do céu” como o sacerdote o apresenta antes da comunhão: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Lembra o Santo Padre que na instituição da Eucaristia na Última Ceia, Cristo imolado por nós realiza, no âmbito da antiga ceia sacrifical hebraica, o cumprimento da profecia e a figura passa para a verdade (figura transit in veritatem) e põe termo às figuras (dat figuris terminum). A Igreja recolhe a ordem de Jesus: “Fazei isto em memória de mim”. Há uma ligação causal entre Cristo, a Eucaristia e a Igreja, porque esta vive da Eucaristia. Depois, o ensinamento pontifício detém-se em considerar a relação com os demais sacramentos. Eucaristia, “penhor da glória futura”, a Exortação considera o aspecto escatológico do mistério eucarístico e trata da oração pelos finados e conclui esta parte com uma reflexão sobre Maria, a Mulher eucarística, como a chamou João Paulo II.
Partindo do princípio teológico de que a norma da oração (lex orandi) é a norma da fé (lex credendi), na 2ª parte são abordados os temas de como deve ser a celebração eucarística. Sempre surpreendente, Bento XVI exalta o valor teológico e litúrgico da beleza, quando enfatiza que a beleza não é mero fator decorativo da ação litúrgica, mas seu componente constitutivo. E ele quer ações litúrgicas belas, quando insiste na “arte de celebrar” e define o bispo como promotor e guardião de toda a vida litúrgica e o liturgista por excelência de sua Igreja Particular. A participação ativa, plena e frutuosa dos fiéis faz da celebração eucarística obra do Cristo inteiro: cabeça e corpo. Na unidade intrínseca da ação litúrgica, o Papa destaca a liturgia da Palavra, o canto, a homilia, o ofertório, a saudação da paz e a comunhão.
Na 3ª Parte, a Exortação considera a “Forma eucarística da vida cristã”. Começa com a citação de João, 6,57 :”Como eu vivo pelo Pai, aquele que me recebe viverá por mim.” Os títulos são já bem expressivos: Viver segundo o domingo; uma forma eucarística da existência cristã é a pertença eclesial; a espiritualidade sacerdotal e a vida consagrada estão intimamente ligadas à Eucaristia e como os leigos devem viver eucaristicamente, convocados pela Liturgia; o mistério eucarístico gera o testemunho cristão e traz implicações sociais porque a Eucaristia, pão repartido para a vida do mundo, nos interpela e provoca todos os cristãos a serem obreiros de paz e justiça.
Quero fazer aqui três destaques em toda a riqueza teológica desta Exortação Apostólica. O primeiro refere-se a uma conclusão do Sínodo dos Bispos, que sublinhou como o sacerdócio ministerial requer, através da ordenação, a plena configuração a Cristo. E Bento XVI diz que, respeitando a prática e tradição oriental, ele também, em sintonia com a grande tradição eclesial, com o Concílio e seus Predecessores, quer corroborar a beleza e a importância duma vida sacerdotal vivida no celibato, como sinal expressivo de dedicação total e exclusiva a Cristo e ao Reino de Deus (n. 24).
O segundo refere-se ao que o Santo Padre chama de “problema pastoral espinhoso e complexo, uma verdadeira chaga (não “praga” como saiu na tradução lusitana) que vai progressivamente corroendo os próprios ambientes católicos. São as dolorosas situações em que se encontram os fiéis que se divorciaram e contraíram novas núpcias”. E com carinho pastoral, ele ensina ¿que os divorciados re-casados, se não podem receber a comunhão, continuam a pertencer à Igreja, que os acompanha com especial solicitude, desejando que cultivem um estilo cristão de vida, através da participação na Santa Missa ainda que sem receber a comunhão, da escuta da Palavra de Deus, da adoração eucarística, do diálogo franco com um mestre de vida espiritual, da dedicação ao serviço da caridade, das obras de penitência, do empenho na educação dos filhos” (n. 29).
E a respeito do uso do latim, que levianamente se andou dizendo que Bento XVI queria agora que a missa fosse na antiga língua, vejamos as palavras do Santo Padre em citação literal: “Penso em particular às celebrações que têm lugar durante encontros internacionais, cada vez mais freqüentes hoje, e quero recomendar o que foi sugerido pelo Sínodo dos Bispos: excetuando as leituras, a homilia e a oração dos fiéis, é bom que tais celebrações sejam em língua latina e, eventualmente, algumas partes em canto gregoriano” (n. 62). E é só…
Saibamos aproveitar para nossa vida eucarística as sábias lições do ensinamento do Sumo Pontífice.