A lei hebraica determinava que após o nascimento do filho, a mãe tinha um tempo para a purificação,após o qual o menino era apresentado ao Templo. “Apresentação do Senhor” é o título oficial, na liturgia católica romana, dessa festa de 2 de fevereiro.Purificação em Stº Amaro ¿-aliás estive na lavagem na última 5ª f. que contou com a presença de mais 100 baianas convidadas por D. Canô, por conta do seu centenário. Já nos séculos VI e VII essa festa – a da Apresentação- já era celebrada no Ocidente. Em Roma essa festa da Apresentação foi associada a uma cerimônia penitencial que se celebrava em contraposição aos ritos pagãos das “Lustrações”. Pouco a pouco, essa procissão passou a ser incorporada à festa tornando-se uma imitação da apresentação de Cristo ao Templo. No século X a Gália organizou uma solene bênção das velas que eram usadas nesse dia – por isso essa festa é também comemorada como Nossa Senhora das Candeias e da Luz.
Na recitação do terço esse mistério pertence aos Mistérios Gozosos ( da alegria), mas na verdade teológica, é um Mistério Doloroso, pois a Mãe apresenta o Filho para ser o Redentor, isto é, para morrer em resgate da humanidade, para re-ligar. Por isso, o velho Simeão, nessa ocasião diz a Maria que ” uma espada de dor lhe traspassará o coração”.
Em Stº Amaro o dia festivo conclui, com uma intensa programação, o novenário e os festejos que prepararam essa data. Às 4 da manhã já se realiza uma missa , mas a oficial será a das 10 horas, presidida pelo Pe. Sadoc. O pároco da cidade, Pe. Hélio Vilas-Boas, quis dar uma tônica mais relacionada à missão, ligando a festa com o ideário da Ano Missionário :”Em preparação ao 4º centenário da nossa paróquia estamos, decididamente,apostando numa Igreja mais missionária, comprometida com a causa do Reino”.
Mas o dia 2 de fevereiro tem também outras evocações. Em Salvador, no Rio Vermelho, o templo de Iemanjá, ao lado da igreja de Santana, é cenário único visitado e composto por milhares de seguidores, turistas e visitantes. Jorge Amado dedica no seu livro “Bahia de todos os Santos”, um capítulo especial a essa festa . E ele evoca ainda a presença do bonde que dava um colorido especial à cidade. “Fevereiro é o mês da festa de Iemanjá, deusa dos mares dos negros baianos”. Ele lembra os 5 nomes que ela tem : “É Iemanjá, dona do mar da Bahia, do destino dos navios, mas na intimidade dos canoeiros, é Dona Janaina, nome de flor na orelha, mas para os negros que conservam as tradições, religiosas , ela é Inaê, voz nagô, que lembra os tempos perdidos nos navios negreiros, lutando para conservar seus ritos; para os homens do mar ela também é chamada de princesa de Aiocá, lembrança das terras natais e misteriosas da África Mas também não deixa de mostrar a presença do sincretismo :”Chamam-na também de Maria, no sincretismo com a religião católica.É o desejo de lhe dar um nome branco que seja doce e cheio de amor.”
E a festa do Rio Vermelho é marcante, é cheia de flores, de imensas filas para a apresentação dos presentes à Mãe das Águas : há cestos com perfumes, sabonetes, bebidas, flores,pentes para pentear os cabelos, anéis para adornar os dedos, mas a maioria dos turistas e visitantes oferece uma flor, uma rosa – mas há cartas,centenas ,talvez milhares com pedidos, suplicando favores, que os amores voltem, que salve a vida dos marido que é pescador. As cartas, coloridas ou não, ficarão boiando nas águas do Rio Vermelho, escritas do jeito do povo, traços de suas vidas, de suas alegrias e tristezas. Mesmo que a igreja esteja fechada, os cantos nagôs, sublinha Amado, misturam-se com as rezas católicas.
No Togo, encontrei um culto semelhante à nossa Iemanjá – lá ela se chama Mamiuatá, e as filhas a ela dedicadas, em transe, entram de mar a dentro com suas oferendas. Mas já há pescadores de prontidão, com suas embarcações, prontos para salvá-las quando elas já estão prestes a se afogarem de mar a dentro.
O prof. Ordep Serra lembra que as religiões afro-brasileiras formaram-se num processo em que dois elementos tiveram que ser levados em conta : “Opor-se e combinar-se em diversas medidas, ao catolicismo, incorporando elementos dele e também resistindo `sua força” (Águas do Reis, p.157).
A questão do sincretismo é uma questão a ser sempre estudada e aprofundada. O prof. Ubiratan de Castro prefere, com muita propriedade, falar em “negociação”. As relações com a Igreja Oficial eram diferentes, mas o Concílio quis trazer uma outra dimensão às religiões, vistas sob o ângulo da cultura. A sacralidade delas é sublinhada em muitos documentos daquele Concílio : “As sementes da Palavra de Deus se encontram espalhadas em todas as religiões e em todas as culturas”( Dei Verbum, documento sobre a Palavra de Deus).
Em toda a tradição cristã a figura da Mãe de Cristo sempre polarizou o coração dos fiéis.
À casa da Mãe cada um chega como pode. E a Mãe sempre acolhe os filhos seus. O hino da Purificação nos dá essa certeza
“Sois nossa esperança, refúgio e consolação, no perigo e na bonança, Doce Mãe da Purificação”.
Prof. De Antropologia da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro da Academia Mater Salvatoris, do IGHB. Colabora nas Paróquias da Vitória e de S. Pedro.