EDUCAÇÃO A SERVIÇO DA VIDA E DA ESPERANÇA
Infelizmente, parece que o conceito de educação que tem prevalecido entre nós é que sua função tem sido a de adaptar a criança a uma ordem social existente, fazendo com que assimile os conhecimentos e o saber destinados a inseri-la em tal ordem, como é o caso da sociedade capitalista em que vivemos. Um famoso crítico da sociedade ocidental, muito conhecido no meio universitário, o filósofo alemão Nietzsche, afirmava que a civilização ocidental educa o ser humano para ter o instinto de tartaruga. Ter instinto de tartaruga significa: defender-se, fechar-se ao mundo, recolher-se para dentro de si e, como conseqüência disto tudo, nada ver, nada ouvir e nada ameaçar. O sentido etimológico de educação aparece como muito sugestivo e caminha em direção contrária ao conceito que interessa aos grupos que controlam a sociedade. E + DUCERE: dá a idéia de conduzir para fora; assim educação é um processo de tirar do homem o ser humano que já existe dentro dele mesmo. O papel do educador consiste na arte de saber extrair ou ajudar a extrair esse ser humano que já existe. Talvez outra origem etimológica de educação é que o termo tenha vindo de outra palavra latina EDUCARE que significa alimentar; idéia fantástica: educação é o processo de alimentar, de fazer crescer. A escola, por sua vez, fundamenta-se sobre os mesmos princípios do mercado capitalista: concorrência e rentabilidade; aliás, a da sociedade tem a mesma idade do mercado capitalista; cresceram juntos. Pelo princípio da rentabilidade, a escola deve garantir um capital-diploma ao aluno que lhe garantisse pelo resto da vida, um rendimento a tanto por cento; pelo princípio da concorrência a escola, com suas seleções e concursos, promove alguns bem dotados implicando a eliminação de outros. Desde sua origem a escola é seletiva. A palavra escola deriva do grego. Do ponto de vista social, a época de Jesus não era tão diferente da nossa: o povo vivia esmagado por duas forças: a política e a religião. O governo local, apoiado pelo império romano, excluía e discriminava as pessoas, comunidade ou clãs; a lei de Deus era usada pelas autoridades, para justificar a exclusão. Ao contrário, o Reino de Deus que Jesus anunciou era a proposta de fraternidade que Deus sonhou para todos e não uma observância a ser cobrada ou uma doutrina a ser imposta.
Certamente Jesus freqüentou escola, pois a bíblia nos diz: ‘na sinagoga levantou-se para ler’ e depois de ler ‘enrolou o livro, entregou ao servente e sentou-se’ (Lc 4, 17-20). Apesar de letrado, não ensinava só na sinagoga, mas em qualquer lugar que houvesse gente para ouvi-lo: deserto, barco, monte, caminho, casa etc. Mas a verdadeira escola de Jesus era a vida: o evangelista comenta: ‘Jesus’crescia tanto em estatura como em sabedoria’ (c. 2, 52).
Se pudéssemos imaginar um homem formado em nossos sistemas escolares, teríamos diante de nós uma pessoa com um enorme quisto na cabeça; o quisto do saber, do conhecimento; as outras partes estariam atrofiadas. A escola mostrou-se capaz de encher a cabeça do homem de conhecimento; mostrou-se, no entanto, incapaz de lhe dar força, coragem e ousadia de lutar e gritar por um mundo justo. Nossos currículos estão cheios de lições sobre poder, qualidade e eficiência e vazios de lições sobre o amor, vida justiça e paz. Poderíamos imaginar também um homem com uma enorme cabeça e as demais partes do corpo, raquíticas. Seria o retrato de um homem por nossas escolas; um ser humano com a cabeça cheia de conhecimento, mas com pernas e braços raquíticos incapaz de enfrentar a seca e a fome no sertão, a violência na cidade, a dor e a solidão.
A exemplo dos rabinos da época, mas de forma diferente, Jesus reúne, ao redor de si, discípulos. Os discípulos seguem o mestre por onde quer que vá, não importa por onde, mesmo que tenha de carregar uma cruz ou subir o calvário. O caminho do mestre nem sempre é fácil; aqui dá atenção especial aos excluídos, ali chama atenção para os fracos do povo e, mais na frente, atenta para a atitude de serviço. Em nossas escolas, a relação se dá é entre professor-aluno; há muitos professores e poucos mestres e sua relação com os alunos é mais ‘magisterial’ (trabalho do grande = magis) que ‘ministerial’ (trabalho do pequeno = minis); mais ‘professoral’ que de serviço e de testemunho. No jeito diferente de Jesus educar, a relação é discípulo-mestre. O mestre dá testemunho e o discípulo segue.
Era comum, em Jesus, usar a sabedoria popular (ex. ‘médico, cura-te a ti mesmo’ Lc. 4, 23-24), fatos da vida ou ainda histórias bem conhecidas para popularizar mais seus ensinamentos. Hoje a sabedoria popular não tem valor, não é científica, não tem comprovação demonstrada. Só tem valor o conhecimento passado pela escola através de mestres diplomados. No ocidente, ‘conhecer’ significa também ‘dominar’; o ato de conhecer implica uma ação de domínio, por parte do sujeito que conhece, sobre o objeto conhecido; sendo assim, nem todo conhecimento é sabedoria. A ciência moderna significou crescimento e desenvolvimento, mas ao mesmo tempo, negação e destruição de culturas.
O ensino de Jesus não distante da vida do povo; quando ensina usa parábolas. É uma forma participativa de ensinar e educar. Os doutores da lei, rabinos e escribas (letrados, formados em escolas) ensinavam que Deus só se manifestava na observância da lei. Jesus, ao contrário, contesta e diz: ‘o Reino de Deus já está presente no meio de vocês’ (Lc. 17, 20). O ensino de Jesus, ao contrário de apelar para a lei e o culto, era ‘novo’ e ‘dado com autoridade’. A autoridade de seu ensino era sua coerência de vida e sua aproximação com os considerados ‘ignorantes’ pelos letrados da época. Nos evangelhos, dois episódios, sobretudo, chamam atenção do ponto de vista da atitude pedagógica de Jesus: o episódio da samaritana (Jô 4, 1-42) e dos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35). A mulher samaritana era excluída pelo fato de ser mulher, por ser samaritana, estrangeira portanto, e pelo fato de ser pecadora. O caminho que Jesus utiliza é pedir água de beber, para em seguida, falar de uma outra água, a água viva. Talvez nem tivesse sede, mas pede água para estabelecer um diálogo. O escritor sagrado diz que Ele estava só com a mulher, algo que era considerado escandaloso. Parece que o método de pedir água não surte efeito, fracassa. Era necessário fazer outro caminho, buscar novo método. A intuição de Jesus pedagógica de Jesus é fantástica: ‘vai chama teu marido e volta aqui’. Agora sim, a nova metodologia é eficaz e logo vem a reação: ‘Senhor, vejo que és um profeta’, diz a mulher. Ela tornou-se missionária de Cristo naquela cidade. Diz o texto que ‘muitos samaritanos daquela cidade acreditaram nele, por causa da palavra da mulher’.
A pedagogia de Jesus é assim muito humana: tem sucesso e tem fracasso; quando não dá certo de uma forma dá de outra. Já no episódio de Emaús adota uma pedagogia diferente do episódio da samaritana. Na nova situação, faz-se caminhante com os caminhantes, participa da mesma tristeza que envolve os dois discípulos, mas não fica aí; procura iluminar os acontecimentos com as escrituras e, por fim, na fração do pão, dá-se a conhecer, de forma progressiva. Na mesma hora os discípulos partem para a ação; levantam-se e voltam para Jerusalém proclamando a ressurreição do Senhor. Jesus surpreende com sua pedagogia ao adotar uma metodologia diferente, adequada a cada nova situação, a cada homem, a cada mulher, a cada criança, a cada jovem rico ou pobre, judeu ou estrangeiro. Sem titulação alguma, o Divino mestre problematiza os que a tem e elege o que é essencialmente humano, como ponto focal de sua pedagogia.