Para que, em tempos de crise, de am-pliação da situação de carência (e de elei-ções), as pequenas políticas e as pequenas igrejas não virem grandes negócios temos que encarar a velha e nova pergunta: devemos dar o peixe ou ensinar o povo a pescar? Hoje, dentro de uma complexidade muito maior, já que é preciso responder de quem é o peixe e quem é que manda no rio. Afinal, sabemos que sem a posse do instrumento não existe aprendizado.
1. A rigor, não existe contradição intransponí-vel entre oferecer assistência e apoiar pro-cessos de conscientização onde as popu-lações aumentem seu grau de autonomia e protagonismo. A assistência bem pode ser o aspecto visível de um processo político-pedagógico, desde que se encarem os efei-tos, considerando suas causas. O que o debate não pode esconder são as opções e posturas político-ideológicas que sustentam o assistencialismo para que não haja cons-cientização. Hoje, o centro do debate se rege por índices econômicos como princi-pais indicadores de resultado. Os ganhos adquiridos em processos históricos cultu-rais – a auto-estima, papel de ator na histó-ria, acúmulo de conhecimentos sobre te-mas, apropriação metodológica, capacita-ção técnica e organizativa… são olhados com reserva, como ideologização.
2. É fácil enxergar fracasso nos processos quando não se relaciona esses esforços com o contexto geral – disputa internacional pelos mercados, política econômica, políti-cas governamentais, herança cultural, etc. Isso seria culpabilizar os pobres pela po-breza, sabendo que eles não produzem as macro-políticas, ao contrário, são vítimas dela. Desemprego, aumento da pobreza, precarização dos serviços públicos, recru-descimento dos conflitos sociais não po-dem ser atribuídos à ineficácia dos proces-sos político-educativos. Desgraçadamente, revelam a infinita distância entre a lógica da solidariedade e o poder das escolhas ma-cro que obedecem a interesses de empre-sas, organismos multilaterais e países que ditam as estratégias gerais. A miséria é produto de uma matriz.
3. As políticas compensatórias e a ajuda as-sistencialista carregam uma intencionalida-de. Vem revestida da generosidade de quem se adonou das riquezas e tenta miti-gar, com respostas compensatórias, o so-frimento dos descartados. Ela precisa per-petuar essa caridade para manter a depen-dência e garantir o controle social e a pró-pria dominação, nutrindo-se da permanên-cia da injustiça. A essência dessa postura é a naturalização da lógica onde sempre al-guém que tem e doa e alguém que não tem e que precisa receber.
4. A solidariedade, entre pessoas e povos, quando luta pelo desaparecimento das ra-zões que alimentam a falsa generosidade, ameaça a fonte que gera a ordem social in-justa. O processo emancipador, ao des-montar o gesto humilhante das mãos es-tendidas revela, anima e se compromete com a restauração da humanidade perdida em oprimidos e opressores. A solidarieda-de, ainda que possa nascer da compaixão (colocar-se no lugar da outra pessoa por não aceitar o sofrimento alheio), mais que tudo, é a iniciativa e empenho, envolvendo o pobre, para que ele chegue ao máximo do seu potencial. É um exercício co-responsável de superação da desumaniza-ção, nos frutos e, sobretudo, nas raízes.
5. O processo de recuperação da humanida-de de quem foi excluído, não pode vir de cima nem de fora. É uma permanente construção a ser forjada com os oprimidos, enquanto indivíduos e enquanto povos. Quando a solução dos problemas é dada para o pobre, tal qual a esmola, ou “enche de vergonha ou vicia o cidadão”. Porque mantém nele a humilhação e o germe da dominação – não se torna pessoa que se move com os próprios pés, pela sua e pela libertação da humanidade.
6. Quem está com fome, precisa do peixe. Porém, a miserabilidade nunca pode ser o critério para decidir um investimento. Quem não tem acesso aos mínimos vitais, não reúne as condições de pensar, não tem como desenvolver a consciência. Fome não gera consciência, gera conformação, degeneração física, desumanização. As si-tuações de urgência, elas não podem virar regularidade. Senão, a emergência que emociona porque resolve uma situação i-mediata, acaba paliativo, sem possibilida-des de solução definitiva.
7. O critério para um projeto merecer investi-mento solidário deveria ser sua eficácia pe-la sua condição de universalizar-se. A e-xemplaridade se irradia, se multiplica e se reproduze. Não basta investir em excluído, se as pessoas não têm condições reais de mudar a realidade. Mudar apenas o meio, em que as pessoas vivem, não muda as condições que geram as situações de ex-clusão. Potencialmente, as pessoas carre-gam o dom de ser capaz e de ser povo. Mas, a dedicação solidária para ser eficaz, deve apoiar os oprimidos que se dispõem a um processo de transformação da realida-de. Não se trata de excluir, mas de priorizar pessoas, áreas e processos. Limita o leque de atendimento para concentrar-se sobre uma parte que, sendo parte, tenha como horizonte a inclusão do todo.
Agosto de 2006