Três coisas me dão calafrios em viagem de avião: a decolagem, o pouso e a expectativa sobre a pessoa que vai sentar ao meu lado.
Em vôos curtos, não é tão ruim. Em vôos mais longos, a história é outra. Não sei o que passa pela cabeça desse povo que insiste em puxar conversa achando que vai fazer uma amizade em quatro horas de vôo. Talvez seja uma inconsciente necessidade de parecer amistoso e bacana. Querem saber toda sua história de vida. O que você faz, deixou de fazer e pretende fazer um dia.
Raríssimas foram as ocasiões em que um papo de avião me fez fechar o livro, guardar a revista ou parar de roncar feito a turbina do avião. Na minha cabeça, se uma pessoa está lendo, é porque quer continuar lendo. E se está dormindo, idem. Ela não quer saber o seu time ou comida preferida, quiçá o seu candidato a presidente.
Antigamente, não existia cadeira marcada nos aviões. Era chegar e sentar. Hoje é tudo marcado, bem pior. Afinal, caso sente ao seu lado uma alma sebosa inconveniente, você não tem muita opção além de aceitar o acaso e colocar em prática todos aqueles exercícios de meditação que você aprendeu com sua amiga pseudo-zen-bundista.
Claro que você também pode avisar a aeromoça sobre sua condição física atual (desinteria contínua e seqüencial) e pedir para trocar de lugar e sentar mais perto do banheiro. Confesso meu crime, já fiz isso uma vez quando sentou ao meu lado uma criatura que reclamava sozinho, em voz alta, sobre qualquer coisa da viagem. Tá bom, duas vezes. E eu reclamo, mas não em voz alta.
O problema são os vôos lotados. Você senta e fica rezando que não sente ninguém ao lado; ou pelo menos, que sente alguém discreto ou encabulado feito você, para não puxar conversa. E quando essa pessoa é um elefante de gordo? Cadeira de avião já é, por natureza, um bagulho apertado e desconfortável. Senta aquela gordona ao seu lado, toda espremida, e as banhas ocupam o espaço da cadeira dela e da minha. Pior, sempre fica pedaço de banha caindo para o seu lado da poltrona. E na hora da refeição, basta a condenada levantar o braço e pegar o garfo para que você não possa fazer nenhum movimento, além de piscar os olhos e respirar. Muito mal, por sinal. Já aconteceu comigo diversas vezes. E a gente ainda tem que disfarçar que está tudo ótimo, porque a balofa pode lhe acusar de discriminação gordural.
E tem aquelas pessoas que viajam de avião todo mês e, ao que parece, nunca viram comida na vida. O carrinho do lanche aparece lá na frente e ela já abre a mesinha, se ajeita na cadeira e, minuto a minuto, olha para o corredor como se calculasse quanto tempo ainda falta para o carrinho chegar. Certa vez, o fulano parecia tão esfomeado que até eu tive pena e tirei um chocolate da bolsa e ofereci, para me arrepender profundamente depois, já que o condenado aceitou.
Quase nunca como sobremesas, resquícios da infância. Mas, de uns tempos para cá, passei a comer. Pelo contrário, essas espécimes que nunca viram comida na vida ficam olhando para você, ou melhor, para a sobremesa, esperando sua reação. Até que não aguentam mais a ansiedade e perguntam: “você não vai comer a sobremesa?”
Dá vontade de responder: “vou não, mas pensei em levar para um sem-teto que sempre passa perto de casa e me pede comida, ele tem esposa, quatro filhos, está desempregado e só come uma vez por semana. Mas, se você quiser, eu te dou.”
Alguma vez você viajou ao lado de alguém que vomitou em pleno vôo, do seu lado? Pois é, eu já. E a tinhosa nem grávida estava. A abestalhada passava mal desde o início do vôo e não moveu uma palha sequer para ir ao banheiro. Logo quando o avião decolou, eu já vi que aquilo não ia dar certo e, abestalhado também do jeito que sou, fiquei com vergonha de mudar de lugar. Pois, a dita cuja em vez de ir ao banheiro resolver logo o problema dela, esperou até não aguentar mais. Depois do lanche, botou as tripas para fora. Leia-se: para fora do saco plástico. Na ocasião, lembro que nunca na vida desejei tanto ser uma mulher. Só assim eu teria argumento para meter uma bofetada na criatura ou puxar-lhe os cabelos até ela ficar tão careca quanto eu. Custava ter vomitado para o outro lado, que tinha uma cadeira vazia?
Enfim, são muitas espécimes que acompanham você em viagens, seja de avião ou de ônibus. Nenhuma, contudo, é pior do que aquela que descreveremos a seguir: a mulher bonita em avião. Fica para a próxima crônica.
26/08/2006