Quem tem familiaridade com a história e os sistemas da educação pode notar facilmente que, em nenhum tratado ou manual de educação se encontra, entre teorias e práticas educacionais do século XIX, mencionado o sistema preventivo de D. Bosco, como aconteceu com a ‘ratio studiorum’ dos jesuítas ou os modernos métodos pedagógicos de tendência protestante que faziam frente à pedagogia tradicional católica. É que o sistema preventivo de D. Bosco nunca foi uma teoria ou um tratado pedagógico mas uma prática. O próprio D. Bosco, em momento algum se interessou em deixar por escrito a filosofia, o conteúdo e a metodologia de sua pedagogia; simplesmente vivenciou com seus salesianos no ambiente educativo. O que hoje se encontra escrito sobre o sistema preventivo, do próprio punho de D. Bosco é muito pouco e foi feito por muita insistência dos salesianos da época e pensado apenas para salesianos, já que não era comum ter professores externos.
Problemas de nosso cotidiano escolar que dificultam a prática do sistema preventivo de D. Bosco.
Entre os diversos problemas sentidos no cotidiano escolar que podem dificultar a prática do sistema preventivo de D. Bosco, serão apontados dois, pois são geradores dos demais já que são estruturais: conceito equivocado de educação e a estrutura escolar.
Em geral, é equivocado o conceito que temos de educação. A idéia de educação que tem prevalecido entre nós, aponta na direção de que sua função seja de adaptar ou ajustar a criança ou jovem a uma ordem social existente fazendo com que assimile os conhecimentos e os saberes destinados a inseri-lo em tal ordem, como é o caso da sociedade capitalista em que vivemos; e mesmo se não comungamos com tal conceito, nossa prática é obrigada a reproduzir esta idéia por vontade d a sociedade, da família e da exigência dos concursos de vestibular. O próprio sentido etimológico de educação aparece como muito sugestivo e caminha em direção contrária a este conceito. Educação ( e + ducere): dá a idéia de conduzir para a fora; assim educação consiste, no processo de tirar do homem o ser humano que já existe dentro dele mesmo e o papel do educador consiste na arte de extrair ou ajudar a extrair esse ser humano que já existe. E se educação vem de educare (alimentar), como querem alguns, a idéia é mais fantástica ainda pois, educação consiste no processo de alimentar ou fazer crescer as pessoas.
A escola, na qual trabalhamos, fundamenta-se nos mesmos princípios que regem o mercado: concorrência e rentabilidade. Aliás a escolarização da sociedade tem a mesma idade do mercado capitalista. Nasceram e cresceram juntos. Pelo princípio da rentabilidade, a escola deve garantir um capital-diploma ao aluno que lhe garanta um rendimento para o resto da vida; pelo princípio da concorrência, a escola com suas seleções e concursos promove alguns bem dotados implicando na eliminação de outros. O processo de concorrência se manifesta de diversos modos em nosso cotidiano escolar: seleção para ingressar na escola; classificação de rendimento escolar: 1º, 2º, 3º e último lugar; aprovar/ reprovar; o aluno vale a nota que recebe: 3 ou 4, 9 ou 10; jogos escolares e vestibular. A boa escola é a que consegue aprovar mais alunos na universidade; seus nomes são publicados em jornais e suas propagandas distribuídas em outdoors. Para que a escola conserve este ‘status’ o critério da competência magisterial, na seleção dos professores, está acima do critério educativo. Mais que educadores e mestres a escola está interessada em ter professores competentes.
Se pudéssemos imaginar uma pessoa formada em nossos sistemas escolares, bem que poderíamos imaginar uma pessoa com uma enorme cabeça entupida de conhecimento mas com pernas e braços raquíticos, incapaz de enfrentar a seca e a fome do sertão, a violência da cidade, a dor e a solidão. A escola, que se mostrou capaz de encher a cabeça do homem e da mulher de conhecimento mostrou-se, no entanto, incapaz de lhe dar força, coragem e ousadia de lutar e gritar por um mundo justo. Nossos currículos estão cheios de lições sobre poder, qualidade e competência e vazios de lições sobre amor, vida, justiça e paz A avaliação escolar é estritamente quantitativa e mede unicamente os conhecimentos adquiridos; mesmo quando se trata de uma avaliação qualitativa, não deixa de ser em vista da quantitativa: aumenta um ponto ali ou diminui outro ali. A avaliação não está interessada em medir o processo de crescimento do aluno como pessoa, seu grau de amorosidade, sua capacidade de solucionar os problemas diante dos quais se encontra.
Por que nossos alunos estão mais interessados em ir ao Shopping do que à escola?
Por que gostam mais de estar na frente da TV do que escutar seus professores?
A escola só oferece um produto que o aluno pouco está interessado: O conhecimento; às vezes conferido sem sabedoria. Não há algo mais prazeroso para um aluno, que o sinal indicando o final da aula, a chegada das férias, um fim de semana sem aula, um feriado ou a notícia da falta de um professor.
A prática do sistema preventivo de D. Bosco e sua aplicabilidade em nossos sistemas escolares, implica na superação destas dificuldades e para isto exige muita criatividade.