(Lendo um soneto intitulado “O Palhaço”)

Quão ingrata é a sorte do palhaço!… Em casa reina dor e tristeza. E a saudade intraduzível oprime o coração inconsolável do esposo que chora amargamente a separação da sua companheira.
Separação atroz e decisiva!… Nunca mais revê-la! A vida se torna um eterno e sinistro exílio. Tudo é sombrio, tudo é amargura, tudo é desilusão e nada mais!… Resta-lhe apenas mais um recurso, um pedaço do tesouro que se foi… – os filhos. Mas, parece que a sorte quer experimentá-lo, preparando-lhe tão dura prova – faz adoecer a filhinha mais nova – a quem consagra todo o afeto de pai.

Que transe atormentador atravessa aquele homem que sente o coração despedaçado! Batem à porta, um recado urgente do empresário obriga-o a deixar o lar abandonado, sem ter a quem confiar os pequeninos, em demanda do seu “ganha-pão” aquele tão ingrato circo, onde a platéia inteira, freneticamente o reclama. É sempre ele a alma dos espetáculos. Surge afinal na arena, sua imponente figura. Os espectadores, como que fora de si, aclamam-no febrilmente; as ovações se sucedem.

O pobrezinho do palhaço não deixa transparecer a sua mágoa. Não se acabrunha; não sucumbe perante a assistência delirante que lhe ignora o martírio. As suas pilhérias espirituosas, os seus gestos engraçados entusiasmam aquele público que se diverte. Ele tem sempre o seu “sucesso” preparado. Agradece os aplausos espontâneos dos assistentes. Faz trejeitos, pula, canta e ri, enquanto a mais aguda, a mais acerbada dor lhe invade cruelmente a alma torturada, que silenciosa geme.

O riso do palhaço quer dizer uma lágrima que não pode derramar. É lamentável a sorte do palhaço… Em pleno espetáculo, surge-lhe inesperada, à sua imaginação, a saudosa e delicada imagem da esposa, dos filhinhos, da filha querida abandonada, que em casa sozinha delira de febre ardente que a devora, enquanto ele delira de dor.
Ante este drama angustioso que se desenrola atrozmente no seu interior, ele não pasma sequer; em vez de chorar, ele gargalha. O palhaço parece não ter coração. É dolorosa a sua sorte – sofrer para fazer divertir a humanidade. Não tem direito de se alegrar; fingir, é seu papel. Tenho pena do palhaço!… Mas quantas vezes somos palhaços na vida?!…

(autora de Retalhos do Cotidiano)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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