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Com diferentes enfoques, a parábola bíblica do semeador é narrada por três evangelistas (Mt 13, 1-9; Mc 4, 3-9; Lc 8, 4-8). Também pelo evangelho apócrifo de Tomé (9). Ela continua muito oportuna e inspiradora. Terrenos ótimos, bons, ruins e péssimos como referidos na parábola, seguem existindo. Semente de qualidade muito boa, transgênica, envenenada e vencida, igualmente. Tipos de semeadores há uma variedade enorme. Nos terrenos bons, qualquer tipo de semente pode vingar. Vai depender dos/as cultivadores/as permitir que prosperem ou não. Já nos terrenos pedregosos e áridos, embora se lance semente da melhor qualidade, pouco ou nada produzirá, exatamente porque o terreno é ruim. Quanto às colheitas, sabe-se que elas nunca fogem da natureza das sementes.
Da metáfora para a realidade humana, tudo a ver. Imaginemos o amor, o respeito, a equidade social, a solidariedade e a paz como sementes. É altamente recomendado cultivá-las em todos os tempos, para o que se requer um preparo permanente dos terrenos. Entretanto, embora não se queira, há muita semente péssima que emerge de forma espontânea, mas que também é lançada e cultivada. E o pior é que muitos o fazem obcecadamente, inclusive em nome de Deus, da fé e da religião. Semeiam, adubam e comemoram a expansão das sementes do ódio e da intolerância.
Vivemos num país em que milhões são excluídos dos direitos e das condições básicas de sobrevivência. A concentração da renda e da riqueza segue em escala geométrica. Segundo o Relatório sobre Riqueza Global (2021), publicado pelo Banco Credit Suisse, no Brasil o 1% mais rico concentra 49,6% de toda a riqueza do país. Assim, retornamos ao criminoso mapa da fome e da miséria. Uma realidade de pernas para o ar, onde “quem não é prisioneiro da necessidade é prisioneiro do medo. Uns não dormem por causa da ânsia de ter o que não têm, outros não dormem por causa do pânico de perder o que têm” (Eduardo Galeano). Nessa ordem, vigora a desordem associada e multiplicada pela pandemia e pelos pandemônios.
O ódio e as agressões virtuais e presenciais racham famílias e relações de amizade. Criam verdadeiros apartheids domésticos e sociais. A situação a que chegamos em nível mundial e, especialmente no Brasil, assume configurações inéditas. Para tentar compreendê-la será necessário a ajuda de todas as ciências. Entre elas, a psicanálise, a neurociência e a psiquiatria terão papel fundamental. Por que é que o ódio passou a pulsar tão forte e insaciável nos humanos, sem qualquer escrúpulo, inclusive nas ditas “pessoas de bem”? Alguns estão afirmando que, por vias obscuras e fakenianas (falseadas), instalou-se na sociedade uma verdadeira Síndrome de Estocolmo coletiva, na qual se verifica uma paixão cega dos torturados por mitos torturadores, até identificados como autores de crimes de lesa humanidade.
Em um tal cenário de discriminação e violência generalizadas, vale recordar uma vez mais a famosa declaração do presidente da África do Sul (1994 – 1999) e Prêmio Nobel da Paz (1993), Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. O grande líder Mandela combateu o bárbaro regime do apartheid (na “terra brasilis”, ele vigora há séculos) com as “armas” da paz.
Diante dessa safra gigantesca da cultura do ódio, da destruição do outro e da natureza, da desigualdade, da exclusão e da fome, podemos ter basicamente três atitudes: a) Juntarmo-nos a estes/estas cultivadores/as e seguir produzindo a barbárie; b) Ficarmos indiferentes, que é o mesmo que dar vitória ao time que está ganhando; c) Fazer a diferença por meio da prática do diálogo, do amor e do respeito interpessoal, da solidariedade, etc. Embora as atitudes pessoais sejam essenciais, elas não são suficientes. É preciso mais. Para problemas sistêmicos, nacionais e globais são necessárias medidas, políticas e programas estruturais e continuados. As questões são muitas e complexas. Mas, a questão das questões está no tipo das sementes a serem semeadas. Ou não?
Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia