I – O maior de todos ( Mc 9, 30-37)

Costumamos ouvir que os caminhos de Deus não são os nossos ou que os juízos de Deus diferem dos nossos. A disputa entre os apóstolos sobre quem seria o maior entre eles confirma esta afirmação. As palavras de Jesus são claras: “se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos” (Mc 9, 35). Palavras que contradizem frontalmente a tendência humana de se destacar pelas riquezas que possui, ou pelos conhecimentos que tem, ou ainda pelo prestígio junto aos poderosos. Em nossos dias a mesma inclinação à fama e às vantagens econômicas dela decorrentes se concretiza pelo alto número de seguidores no youtube, no instagram ou no blog pessoal.

E Jesus radicaliza ainda mais seu posicionamento ao tomar uma criança, coloca-la diante de todos e afirmar que deveríamos sempre acolhê-la, pois estaríamos acolhendo a si próprio. Os apóstolos entenderam o gesto do Mestre, pois mulheres e crianças nenhum valor tinham naquela sociedade: eram apenas seres humanos sem qualquer qualificação ulterior que as tornassem dignas de serem acolhidas ou mesmo de serem mencionadas. Portanto, para Jesus, qualquer ser humano, por ser tal, deveria experimentar nosso acolhimento.

E se fossemos perguntar a razão para devermos assim proceder, teríamos a resposta na própria vida de Cristo que não veio para ser servido, mas para servir (Mt 20, 28). Um serviço que não se limitou a determinadas categorias de pessoas, ricas, sábias, poderosas, famosas, mas que privilegiou os mais simples, os mais pobres, os mais necessitados. Estes nada tinham a lhe oferecer, eram acolhidos e amados simplesmente porque eram seres humanos, como as crianças.

Mas Jesus é a revelação de Deus: “Felipe, quem me vê, vê o Pai” (Jo 14, 9). Sua conduta é a mesma de Deus. Portanto também Deus acolhe o ser humano não por suas qualidades, mas simplesmente porque é um ser humano. Assim agiu Jesus Cristo, assim age Deus. Assim também devemos nós agir porque somos cristãos, seguidores de Cristo.

Acolher a todos, amar a todos, como faz Deus, contem, entretanto, uma séria exigência. Não podemos nos posicionar diante de nosso semelhante julgando-nos superiores, olhando-o de cima da nossa riqueza, sabedoria ou prestígio. Temos que ser simples, ou numa palavra fora de moda, temos que ser humildes. Pois Deus é humilde, convida e não impõe, respeita nossa liberdade, e envia seu Filho e seu Espírito Santo para nos levar à felicidade plena. Um Deus a nosso serviço, porque nos ama infinitamente. E quem ama não se impõe ao outro pelo que tem, mas se oferece pelo que é, simplesmente.

O comportamento de Deus revelado no comportamento de Jesus Cristo significa uma verdadeira revolução na noção tradicional de religião. Pois indica que o que consideramos “sagrado” não está em locais ou datas especiais, em celebrações, imagens ou devoções, mas em nosso semelhante. Pois é nele que encontramos realmente Deus (Mt 25, 40), é servindo-o que respondemos ao serviço de Deus por nós.

Para o cristianismo fator decisivo da autenticidade da nossa fé está em como nos relacionamos com nossos semelhantes. Todo o resto tem nesta finalidade sua consistência e seu sentido, como bem entendeu o apóstolo São João que no fim da vida repetia sempre: amai-vos uns aos outros. E se justificava: aí está o cerne da fé cristã. Igualmente Dom Luciano Mendes de Almeida que saudava as pessoas com a frase: “Em que posso lhe ajudar?”. Este entendeu a fé cristã e a viveu efetivamente.
MFM

II – Agregar e não dividir ( Mc 9, 38-43.47s)

Na história da humanidade vemos que os seres humanos sempre viveram no interior de padrões culturais e tradições religiosas, que possibilitavam suas relações sociais já que eram acolhidos por todos de cada época. O modo como viam e viviam nas famílias, nas atividades profissionais, nos momentos de diversão e de descanso bem como nas práticas religiosas, era praticamente o mesmo para todos. Já se sabia de antemão como as pessoas reagiriam diante dos fatos corriqueiros, próprios da vida humana: ao ter sucessos, ao passar por doenças, ao experimentar desavenças, ao desfrutar de amizades, ao sofrer decepções, pois partilhavam a mesma visão da realidade e os mesmos valores morais. No ocidente a fé cristã muito contribuiu para o advento desta sociedade homogênea e uniforme.

Hoje o quadro é outro. Vivemos numa sociedade pluralista, a saber, cada um tem liberdade de escolher não só seu modo de pensar, mas também de viver. Assim desaparece aquele ambiente comum onde todos se sentiam em casa e emerge outro caracterizado pela diversidade de opiniões e de comportamentos. Surgem assim setores da sociedade com linguagens e costumes diferentes dos nossos, onde nos sentimos como estranhos no ninho.

Não podemos mudar com uma varinha mágica a sociedade pluralista de nossos dias. Assim temos que aprender a conviver com o diferente, a escutar suas vozes e a entender suas práticas, a respeitar suas pessoas. Numa palavra, temos que ser tolerantes. Há, porém, um pressuposto básico para este imperativo: a liberdade que tem cada um de expressar e viver seu modo de vida não deve prejudicar e impedir as expressões e as práticas dos demais. O respeito e a tolerância devem ser mútuos.

Infelizmente não é o que vemos em nossos dias. Presenciamos também tensões extremas, condenações radicais, agressividades crescentes que indicam claramente a ausência de diálogo e de mútua compreensão. Haveria algum denominador comum que possibilitasse um clima de mais tolerância e bem-estar para todos? Haveria um fator comum que pudesse ser acolhido por todos como seu? É o que nos ensina Jesus Cristo no evangelho de hoje.

Jesus aceita que outros, que não são seus seguidores, expulsem demônios, operem curas, enfim façam o bem. E se justifica: “Quem não é contra nós, é a nosso favor” (Mc 9, 40). O que foi uma constante fundamental em sua existência, a saber, levar vida, esperança, ânimo, amor a seus contemporâneos deve ser a meta comum a ser atingida pelos diversos caminhos possíveis numa sociedade pluralista. Por ser diferente o outro não é meu inimigo desde que esteja voltado para o bem dos demais. Diferentes sistemas filosóficos, sociológicos, políticos ou religiosos sempre haverá na sociedade humana. Importante é que estejam voltados para a meta comum de uma humanidade mais fraterna com maior predominância do amor e da justiça.

Jesus admirou a fé de uma estrangeira (Mc 7, 24-30) e lhe curou a filha, a fé de um pagão romano e salvou seu criado (Mt 8, 5-13), a escolha propositada de um samaritano, herege e inimigo de seu povo, para demonstrar a importância do amor ao próximo (Lc 10, 29-37). Também se relacionou com pecadores e publicanos, sem desclassifica-los de antemão para escândalo de seus contemporâneos. Enfim um exemplo de comportamento inclusivo e não exclusivo.

O mundo se tornou pequeno devido às conquistas modernas no setor dos transportes e dos meios de comunicação social. Há uma proximidade inédita de culturas e religiões diferentes. Temos que reconhecer nossa particularidade e respeitar a dos demais. Não podemos permanecer prisioneiros de ideologias e de preconceitos. Só então teremos paz e harmonia no planeta, só então seremos todos irmãos como tanto nos conclama o papa Francisco. Pois o bem também está presente e atuante em outras culturas e religiões. É hora de revermos nossa atitude diante deste desafio atual.
MFM

Numa época de pouco diálogo e muita agressividade nossa tarefa é a de criar pontes e abater os muros, como pede o papa Francisco e como fez Jesus de Nazaré.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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