Todos nós procuramos um sentido para viver com profundidade. Se desistimos de buscá-lo, tudo torna-se banal e supérfluo, pois deixamos de acreditar em nós mesmos e na vida como mistério que se deve mergulhar. A chave que nos abre o sentido é a capacidade de questionar. Quando crianças, perguntávamos aos nossos pais sobre as coisas elementares. Libertarmo-nos da imitação dos outros – que muitas vezes é cômoda – quando tomamos consciência de que podemos caminhar com autonomia, graças ao ato de questionar. Kant dirá que o sujeito é autônomo (esclarecido) quando deixa de ser dominado pelos outros e começa a caminhar por si mesmo à medida que faz uso do seu próprio entendimento.

O grande educador Paulo Freire propunha uma pedagogia da libertação. Ao longo da nossa história corremos o risco de acumular opressores dentro de nós, os quais podem nos reduzir a um estado de submissão. Estes diabinhos se instalam, por exemplo, quando os detentores do poder nos pretendem convencer de que é normal a condição de inferioridade social vivida por muitos. Podem também ser os discursos de preconceito que envolvem gênero, cor, religião, nação etc. Freire nos propõe que esta pedagogia opressora, baseada na ação de depositar conhecimentos, seja substituída por um processo de construção comum do saber. E com certeza nós seremos capazes de vomitar os opressores que deixamos crescer dentro de nós só através da arte de questionar as várias situações que nos pretendem reduzir ao nada.

O ministério de Jesus de Nazaré constitui um exímio projeto de libertação pautado no ato de questionar. A sua singularidade abria um futuro de vida e de esperança para todos os que foram feitos vítimas. Como grande questionador, podemos afirmar que o desejo mais profundo de Jesus era que todo homem fosse transformado em sujeito autônomo diante de Deus. Compartilhando o drama das vítimas, no alto da cruz ao questionar o Pai (por que me abandonaste?), Jesus reivindica para si e para toda a humanidade a libertação plena, ou seja, a graça de passar da condição de vítima para aquela de sujeito.

Questionar é realmente um ato de grande perigo. Em Burkina Faso (16.02.2019), foi assassinado o missionário salesiano de 72 anos, Pe. Antonio César Fernández, por um grupo de extremistas. Tento explicar aqui a versão que um membro de sua congregação contou-me nestes últimos dias. A um certo momento, os extremistas param vários carros e, para propagar  terror e medo, pedem que as pessoas saiam e se ponham em fila. Os carros são todos queimados. Até o momento todos ainda estão vivos. Mas Pe. César dirige aos extremistas uma pergunta: Por que vocês estão fazendo isso? A ousadia de questionar custou ao missionário o preço da sua vida: Pe. César foi separado dos outros dois irmãos salesianos, que o acompanhavam na viagem, e crivado de balas pelos terroristas que depois fugiram.

O questionar é ainda mais perigoso quando o fazemos a nós mesmos. Quem sou eu? Que sentido dou a minha vida? Estas são algumas das perguntas que podem nos incomodar. O caminho da maturidade convida a cultivar a difícil tarefa de deixar cair as nossas máscaras diante das nossas próprias perguntas. Quando falamos de perigo queremos dizer que é necessário morrer para um estilo de vida supérfluo e nascer para a verdade – sermos todos sujeitos diante de Deus – e isso só conseguimos quando tiramos nossas próprias máscaras que nos impedem de sermos livres.13.03.19

Obs: O autor é religioso da Congregação da Paixão de Jesus Cristo (Passionistas). Natural de Fagundes, Paraíba. É mestre em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) – Roma.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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