Ademir Guedes Azevedo 18 de outubro de 2021

Em 1 Rs 17, o profeta Elias obedece a ordem do Senhor e vai a Sarepta. Ele já está em território da malvada rainha Jezabel, figura daqueles que se inebriam de poder. Elias havia profetizado, diante de Acab, que naqueles anos não choveria. Agora, ele mesmo sofre as duras penas da seca.

Em Sarepta, deparamo-nos com uma cena emocionante: o profeta necessitado pede de beber a uma pobre viúva que recolhia lenha, talvez mais necessitada do que ele. Certamente, ele pensa: se ela está recolhendo a lenha é porque tem comida também. A viúva dirá: tenho apenas um punhado de farinha e um pouco de azeite na jarra. Ela os usará para matar a própria fome e a do seu filho, e depois morrerá.

O que representa esta viúva? Creio que se trata da personificação da ternura e do cuidado, valores tão esquecidos. Esta viúva é o modo de Deus agir na história, pois não aceita o sofrimento imposto, visto que demonstra resiliência no ato de recolher a lenha. Apesar de conviver com a ideia da morte iminente, continua crendo na vida. Vive os últimos instantes acreditando que ainda há tempo, ou seja, ela sabe que, apesar de ser tarde demais, porém se insistir um pouco mais chegará à madrugada da vitória. Nenhuma noite, por mais densa que seja, dura para sempre. A viúva é resiliente porque não luta só por ela, tem um motivo maior: o próprio filho. A viúva, certamente, já sofre a ausência do marido que se foi, mas diante de seu filho ela não se dobra ao sofrimento injusto, luta por ele até o fim. Perdê-lo seria algo inconcebível e por isso escolhe viver, custe o que custar.

Elias, por sua vez, revela também uma outra face do agir de Deus na história: a fragilidade. Ele pede água e pão, mas para dá-los em seguida, de modo diferente. Diante da morte que espera a viúva depois da última refeição, o profeta será aquele que devolverá a vida ao filho da viúva. Este é o modo escandaloso de Deus agir: antes de dar, ele sente necessidade, por isso pede. Também será assim com Jesus e a samaritana – Dá-me de beber – e no alto da Cruz consagrará sua fraqueza revolucionária que põe toda lógica de poder ao avesso, nas palavras: “Tenho sede”. É sedento, faminto, mas só assumindo tal estilo, poderá matar a nossa sede e nos alimentar com o pão da vida. Elias, o profeta poderoso que faz chover e cessar de chover, pede água e pão a uma viúva que está às portas da morte. Mas pede para dar a possibilidade de crê; pede pão, mas para dar fé.

Desconcertante! Mas é assim que Deus governa: sem impor nada, sem usar nenhuma forma de poder. Ele prefere caminhar sobre a esteira da fragilidade. Estende a mão como alguém necessitado por nós. Se o acolhamos, acontece o milagre. Bem diferente dos nossos governantes. Bolsonaro e Trump são intransigentes. Eles não pedem, ordenam! Não dialogam, gritam! Não sabem o que é gentileza, ternura e cuidado. Vivem assustados como tiranos, pois têm medo de perder o poder. Há muito tempo um tal de Herodes ficou em pânico quando ouviu da boca dos magos que acabara de nascer um menino que seria o novo rei. Furioso, o rei louco e descontrolado mandou matar inocentes para garantir-se. Deus não age assim. Ele vive da fraqueza, sem armas, sem poder, sem exército, mas é só assim que ele é livre e realiza a verdadeira libertação. Por que nos custa tanto aprender este jeito de ser?

Elias diz: “primeiro prepara-me um pãozinho do resto da farinha e traze-o. Depois farás o mesmo para ti e para teu filho” (1 Rs 17,13).  Isso é pedir demais, pois o que comerá o filho da viúva se a farinha será usada primeiro para saciar a fome do profeta? Mas é aqui que está a prova de fé. É o mesmo que acontece com Abraão quando Deus pede que ele sacrifique seu único filho, Isaac. Porém, só quem muito ama, pode demonstrar fé. A viúva confia nas palavras do profeta porque a dor e o sofrimento não lhe fecharam o coração. Com a humildade dos pobres, ela se abandona e confia.

O milagre acontece não de modo grandioso. Naquele momento, Deus dá a vida por meio do pão, depois será através da chuva. A presença de Deus se revela no cotidiano: o que aconteceu com a viúva foi um milagre essencial, gota por gota, não foi um mar de azeite nem uma montanha de farinha, mas uma jarra com pouco azeite e uma bacia com pouca farinha, porém não se acabavam nunca, pois sempre restava um pouco de cada. Deus não escolhe a ganância e o progresso injusto, ele não quer espetáculos como os messias deste mundo. Deus age a cada dia, nos alimenta por hoje. Esta é a sua santa fragilidade, da qual deveríamos aprender a ser mais humanos e fraternos.10.06.2020

Obs: O autor é religioso da Congregação da Paixão de Jesus Cristo (Passionistas). Natural de Fagundes, Paraíba. É mestre em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) – Roma. 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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