Recebi um texto com reflexões sobre a ausência, e as dificuldades do viver só. Fiquei a pensar sobre o sentimento que pesa na alma quando, presa ao circuito da solidão, busca por uma presença ou presenças. Presenças antes queridas, mas que se dissolveram no ralo da indiferença, do descaso, do desafeto. E é nesse momento de vazio que a ausência parece agigantar-se tal qual um fantasma. Ou tornar-se uma inseparável companheira.
Diante da realidade pela qual todos, universalmente, estamos passando, e que impõe distância, isolamento, um novo vírus – o da exclusão, do pouco caso – surge com força de destruir sob a desculpa de que o contato físico é pernicioso. Uma versão diferente de matar, um matar na câmera silenciosa da ausência. Ausência que vai desatando laços de afeto e costurando a veste do desamor.
Tempo pandêmico. Tempo e espaço partidos, interrompidos, e que clamam por novas formas de se fazer presença ainda que sem o toque da pele, do olhar complacente no olho pidão. O toque da compaixão, da lembrança bem poderia soar pelas ondas da sensibilidade. Do saber escutar, do espírito acolhedor, da empatia que irmana.
Tenho minhas experiências com essa “estranha personagem”, e com ela tento me ajustar. Sua companhia também me oportuniza descobertas jamais pensadas. Com ela me vejo ressignificando valores, ao cavar no porão do meu ser formas de enfrentar o novo. Essa face oculta que apavora e que, por vezes, me torna vulnerável, pois é impossível fugir à condição da fragilidade humana, que teme diante do desconhecido.
São oportunidades de refletir sobre o lado finito da vida, e que até nos impulsiona a um viver bem o agora, aprendendo a mastigar com mais sabor cada porção da curta existência. Curta, mas não necessariamente pequena.
Interessante que, quando nos encontramos na própria companhia, véus começam a cair. Grande aprendizado. O romântico das núpcias tenta iludir, mas, rápido cai qual sereno sobre a relva dos momentos de incertezas. Espaços para idealizações inexistem.
Urge um firme olhar do próprio olhar, sem disfarces. O olhar refletido no próprio espelho. No espelho da alma. Ninguém a apontar, acusar, julgar. Somente nós e a consciência. E a nossa ausência. Ora suportando os próprios defeitos e até nos odiando. Mas também nos desculpando. E o melhor, nos amando.
A descoberta em nós de algum valor, antes guardado, escondido, talvez adormecido, deveria ser motivo de festa, de ressurreição, de vida. De recomeço.
Lado a lado com a “minha ausência”, devagarinho como quem anda em terreno minado, vou tentando saborear mais que mastigar. Sentir o odor sem tocar o cheiro e respirar sem me preocupar com as batidas do coração, pois é bem ele que se encarrega de me alertar que estou viva, pulsando, apesar da ausência ou das ausências.