Hoje, um simples papelão faz às vezes de cabine para o eleitor enfiar os dedos nas teclas. Votou. Não há mais cédulas, não há envelope, não há goma arábica para fechar o envelope e levá-lo até a mesa, onde presidente, secretário e mesário o rubricavam, a paciência de aguardar o eleitor na angustiosa tortura de assinar, ou desenhar, o nome na sua folha de votação. Nos antigamente das eleições, os candidatos distribuíam sua cédula, que o eleitor, na cabine, colocava no envelope oficial, uma por uma. O envelope ficava gordo. As cédulas eram do tamanho de um cartão de visita, com poucas palavras: Para Governador Fulano de Tal. E daí por diante.
As cédulas eram disputadas. Primeiro, pelos barbeiros, que dela se utilizavam para limpar a navalha quando raspavam a barba do freguês. Durante muito tempo depois das eleições, ainda se viam cédulas nas barbearias. Depois, pela meninada, que, encerrada a votação, invadia a cabine para raspar o que lá ficava, a cédula bem alva, papel bonito, que a gente encarava como conquista, achando bonito o pacote de cédulas na sua uniformidade, embora, na prática, não servisse para nada. Já perto da eleição, os candidatos iam distribuindo. Depois da eleição, perdiam o significado, como, também, para a gente, perdia a graça.
Mas, o que mais me marcou na eleição de 1962 foi o tecido azulado, mescla pura, que cobria a cabine de votação. A sala da sessão, sem mais ninguém da mesa, era um convite a retirada do tecido da cabine, que, assim, simplesmente foi surrupiado, ficando apenas o esqueleto de madeira. Facilitava o fato de todas as sessões terem sido instaladas no Ginásio, as salas abertas, ninguém mais com autoridade suficiente para coibir o suave assalto. O ambiente facilitava.
Se, na seara da Justiça Eleitoral, foi tomada qualquer providência para se apurar, é fato que escapa aos meus conhecimentos. Se circulou qualquer notícia a respeito, não sei informar. E, aliás, nem precisava. Os culpados se denunciaram espontaneamente. Não que tivessem ido confessar a infração ao juiz da comarca. Ninguém teria essa iniciativa, nem tampouco se atreveria. A denúncia surgiu nos calções confeccionados com o tecido das cabines, aquele azul bem forte, que, no meio da semana, infestou o centro urbano. Dispensava explicação – Diário de Pernambuco, 8 e 9 de maio de 2021.
Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras