Acordei pouco depois das seis horas – madrugada, para meus padrões atuais. Coração em batedeira. Sensação de perigo iminente, como se meus pés não encontrassem chão.
Saí para minha caminhada sem nenhuma vontade de olhar a vida. Em setembro, aqui no Sul de Minas, o sol é tão preguiçoso quanto eu. Um friozinho gostoso balançava de leve meus cabelos. As ruas começavam a movimentar-se.
Dobrei uma esquina e quase tropecei nele. Para não pisá-lo, ensaiei um salto. Acabei com um pé torcido e os joelhos no chão. Doeu. Doeu como se eu estivesse toda quebrada. A vontade de chorar me fez lembrar do ridículo de estar sentada, toda torta, em plena rua. Ele, o gatinho malhado e dócil, se encolheu contra o muro e silenciosamente ficou a me olhar.
Por uma associação louca, parte do sonho me veio à memória. A vontade de chorar aumentou. Usando o muro como arrimo, tentei me levantar. Uma senhora, que não vi de onde saiu, veio me oferecer ajuda. Meu orgulho de fodona quis negar. O pé latejante quis gritar. Peguei em seu braço e me encostei no muro. Respondi não a várias perguntas: não estava com celular, não sabia o número do meu neto, não morava naquela rua, não precisava se incomodar mais.
Depois de agradecê-la, voltei forçando o pé. Sabia que estava piorando tudo, mas não tinha outra opção. Sou nova no bairro, ninguém me conhece e não tenho nenhum juízo. Segurando o choro, me lembrei que tenho terapia logo mais à noite. Meu terapeuta é junguiano. Ao menos tenho parte de um sonho para contar a ele.
O pé é o de sempre. Aquele que já quebrou duas vezes e já luxou inúmeras. Está aqui, olhando pra mim por debaixo das faixas e da bota. Ter um pé assim, tão sensível e mimado, deve ser uma dádiva. E na simbologia de Jung, gatos e pés podem ser de bom augúrio. Oxalá!
Minha doce vingança:
Obs: A autora é mineira. Formada em- Letras pela UFMG, pós-graduou-se na UEMG em Administração Escolar. Às vezes é prosa, outras, poesia. Participou de várias coletâneas, Livro da Tribo, revistas e jornais literários, impressos e virtuais, com poemas, crônicas e contos. Publicou três livros de poesia pela Editora Penalux: Equilibrista (2016), Pontiaguda (2017), Náufraga (2018). Nesse ano, 2020, publicou seu primeiro livro de contos – O Insuspeitável perigo do instante-beijo e outros contos –