[email protected]

1 – DOMINGO DA CURA DO SURDO-MUDO
Marcos 7,31-37

“O pior surdo é aquele que não quer ouvir”.
Nosso encontro, hoje, com o Messias, o Cristo ressuscitado, é uma oportunidade ímpar de nos deixarmos questionar sobre nossa capacidade efetiva de diálogo e comunhão, de escuta dos demais e de abertura para uma verdade maior que nossas convicções ou preconceitos, num mundo de tantas diferenças, tradições, culturas, ideologias e opções.
Mas, se será muito importante os surdos serem curados de sua surdez, mais importante ainda, será os mudos serem curados de sua mudez, e passarem a falar e, se preciso, gritar.
E isso precisa acontecer em todas as instâncias:
– da vida em família e entre vizinhos
à vida sindical, política e religiosa…
– dos grupos étnicos locais à relação entre nações:
OS MUDOS PRECISAM FALAR, DIALOGAR E, ATÉ MESMO, GRITAR… Fazerem-se ouvir e serem levados, levadas, em conta! Quanta gente precisaria ouvir aquele enérgico “Abre-te!”, da boca de Jesus.
OS SURD0S PRECISAM ESCUTAR, DIALOGAR, LEVAR OS DEMAIS EM CONTA!
Tanta gente, quem sabe, começando por nós aqui, precisaria dar-se conta da própria surdez e mudez, e dos males que daí decorrem!…
A partir de então, o “canto novo” brotaria
de corações novos, alargados e enriquecidos
pela abertura para com os diferentes e a comunhão com tantos irmãos e irmãs que só estavam à sua espera.  

 Por sinal, depois de amanhã, por todo este país, muita gente proveniente, sobretudo, das periferias urbanas e rurais, sairá pelas ruas dando o 27º GRITO DOS EXCLUÍDOS e EXCLUÍDAS: “POR PARTICIPAÇÃO POPULAR, SAÚDE, COMIDA, MORADIA TRABALHO E RENDA”…  Em nome da VIDA, “Vida em primeiro lugar!”, no Dia da Pátria, aqueles e aquelas que têm fome e sede da Justiça gritarão. Muitos que viviam mudos irão falar e gritar. E os surdos ouvirão?… Deputados e Deputadas, Senadores e Senadoras, Juízes e Juízas, Governantes e Governantas estarão atentos, atentas aos GRITOS da Classe Trabalhadora, dos Povos Originários (Indígenas), da Juventude Negra, das Mulheres?…

Mas confunde os caminhos dos maus;
O Eterno reinará para sempre,
Ó Sião, o teu Deus reinará!

 Salmo 123: Olhar de escravo, coração de filho      
L.: Jocy Rodrigues, Equipe ODC – R.Veloso
M.: Jocy Rodrigues – ODC Part. I, p.158

 <<Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes; fui eu que vos escolhi e vos designei, para dardes fruto e para que o vosso fruto permaneça. Assim, tudo o que pedirdes ao Pai, em meu nome, ele vos dará>> (João 15,15-16).

Por todos os cantos e em todas as épocas haverá quem amargue a experiência da humilhação, da opressão, da marginalização e exclusão. E poderá ser uma experiência individual e pessoal, como poderá ser uma experiência coletiva, de todo um povo ou nação. Quem de nós já não passou por algum momento semelhante?… Na caminhada para a Terra Prometida, poderemos, a qualquer momento, ser surpreendidos por obstáculos e contrariedades, que nos fazem experimentar a frustração e o desencanto. É o momento de recitar esta lírica prece que os antigos chamavam de “salmo do olhar esperançoso”[1], que brilha pela sua simplicidade, ao mesmo tempo respeitosa e filial, modelo da nossa atitude para com Deus, do jeito que os mais simples gostam de chamá-lo: Papai do Céu, e outros e outras ousariam invocá-lo como Deus-Mãe !  

  1. A ti levanto meus olhos,
    A ti dos céus morador
    /:A ti levanto meus olhos,
    A Quem no céu se assentou!:/
  2. Tal qual o olhar dos escravos
    Nas mãos de quem os governa
    O nosso olhar ‘stá no Amor,
    Até que se compadeça!

2 -Tal qual o olhar duma escrava
Nas mãos de sua patroa,
O nosso olhar ‘stá no Amor
Até que de nós se doa!

  1. De nós, Eterno Amor[2],
    Piedade, tem compaixão,
    Já fomos tão desprezados,
    Demais, a humilhação!

4 -Cansados, sim, de sofrer[3],
Do orgulho dos prepotentes,
Tua glória nós proclamamos,
Deus=Mãe, santo e clemente!

Salmo 124: Ainda bem que Ele está conosco!

  1. Veloso – ODC Part.I, p. 160

<<Se Deus é por nós, quem será contra nós? Deus que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como é que, com ele, não nos daria tudo? (…) Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada? (…) Mas, em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou>> (Carta aos Romanos 8,3

São tantos os revezes que um povo passa ao longo da sua história, sobretudo o povo empobrecido e excluído: nativos deste país, impropriamente apelidados de “índios”; os que foram arrancados do colo da Mãe África e aqui amargaram bem quatro séculos de uma escravidão, cujos efeitos ainda hoje se prolongam; os Sem-Terra de todas as regiões, que aguardam, lutando bravamente, uma sempre distante Reforma Agrária; migrantes, favelados, trabalhadores, organizados em associações e sindicatos, na luta sem trégua por cidadania; Mulheres, que multiplicam grupos e movimentos, a enfrentarem de várias maneiras os preconceitos de sempre…  As lembranças vivas das lutas e conquistas do passado, pelas quais se bendiz ao Deus libertador de ontem, de hoje e de sempre, renovem o ânimo e as energias dos que hoje caminham para a Terra Prometida.

 Se o Eterno Amor não fosse
A favor da nossa gente,
Diga o povo oprimido,
diga o povo oprimido!

 Se Tupã não estivesse
A favor da “índia” gente,
Diga o povo Guarani[4],
diga o povo guarani!

 Se Olorum não estivesse
A favor da negra gente,
Diga o povo de Zumbi,
diga o povo de zumbi!

 Se Deus-Mãe não estivesse
A favor da fêmea gente,
Digam todas as Mulheres,
digam todas as mulheres!

 Se o Eterno Amor não fosse
A favor da nossa gente,
Diga a Classe Operária,
diga a Classe Operária!

 Quando se levantaram contra nós,
Quase a nos engolirem em seu furor,
Nos teria arrastado a correnteza
E acabado com gente, com certeza!
E afogado meu povo nas profundezas, oi,
E afogado meu povo nas profundezas!
E afogado meu povo nas profundezas, oi,
E afogado meu povo nas profundezas!

Ó Tupã, bendito sejas,
Porque nunca permitiste
Que esses cães nos devorassem,
que esses cães nos devorassem!

Olorum, bendito sejas,
Porque, feito um passarinho,
Escapamos dos seus laços,
escapamos dos seus laços!

 Ó Eterno Amor, bendito,
Em teu nome, o nosso auxílio,
Céus e terras tu criaste,
Céus e terra tu criaste!

 Deus-Amor, bendito sejas,
Ó Deus Filho, igualmente
Com o Divino, para sempre!
com o divino, para sempre!

2 – Domingo do “VAI PARA TRÁS, SATANÁS!”
Marcos 8,27-35

Que significado terá uma cruz colocada na parede, por trás da mesa do gerente do banco?… E uma cruz colocada em algum prédio público, seja ele do poder legislativo, judiciário ou executivo?… E uma cruz numa sala de aula, numa loja do shopping, numa encruzilhada, ou, simplesmente, em algum recanto da casa da gente ou no peito de alguém, quer dizer o quê?…

Com que interesses o gerente do banco atende a seus clientes?… Que motivações inspiram as pessoas que atuam em algum cargo público ou repartição, seja de que setor for?… Que valores orientam a prática pedagógica das escolas, o atendimento nos estabelecimentos comerciais, os que dirigem nas estradas, as relações entre marido e mulher, entre pais e filhos, as atitudes de cada pessoa no cotidiano de sua convivência?…

“Pelo sinal da Santa Cruz livre-nos Deus Nosso Senhor”… Em geral, todos buscam proteção contra os inimigos, os castigos, os perigos, os prejuízos… E a cruz não passa de um amuleto… Alguém de todos esses e essas se orientará pela lógica da cruz, a lógica do dar a vida pelos irmãos e irmãs?… Alguém se deixa envolver pelo seu dinamismo feito de entrega incondicional, de serviço e partilha?… Só então, a cruz deixa de ser simples adorno e passa a ser uma forte inspiração. Encará-la e assumi-la, no seguimento do Mestre, colocando-se a serviço da Humanidade, a serviço do Reino, a serviço de que mais precisa, eis o que nos faz verdadeiramente “cristãos” e “cristãs”, e, mesmo, “sacerdotes” e “sacerdotisas”… e nos dá o direito de celebrar a Ceia do Senhor, e cantar o canto novo dos que buscam um mundo novo, às avessas!

Desde junho de 2013, e mais recentemente neste passado 7 de Setembro, pelas ruas das grandes cidades, as pessoas vêm saindo, umas, vestidas de verde-amarelo; outras, de vermelho. Gritam palavras de ordem ou de protesto, de reivindicação e até de ódio… É provável que a maioria se diga e se julgue “cristãos”, “cristãs”… Muitas levarão consigo uma cruz… Quem segue, realmente, Aquele que se solidarizou com os oprimidos e excluídos, e deu a vida por um mundo justo, irmão e solidário?… O verde-amarelo, que simboliza a Pátria, precisaria lembrar em primeiro lugar os 15 milhões de pessoas desempregadas, os milhões de pessoas desalentadas, famintas, de jovens sem perspectiva de futuro, de crianças esquálidas…    Quem se veste de verde-e-amarelo ou porta a bandeira brasileira deveria, antes de tudo ser solidário, solidária, com o GRITO desta multidão de Excluídos e Excluídas!

Que beleza e esperança ver os Companheiros e Companheiras do MST portando a dupla bandeira verde-e-amarela e a bandeira vermelha! Esses, essas, são os verdadeiros e verdadeiras patriotas, que juntam o amor pela Pártia com a luta pela Reforma Agrária, pela Democracia Social, por Terra, Trabalho e Teto para todas e todos! No dia em que todo brasileiro, toda brasileira se identificar igualmente com o verde-e-amarelo da Pátria e o vermelho da luta por justiça social, com certeza, honraremos a nossa tradição cristã simbolizada pela Cruz e mudaremos os rumos deste País!

 

 [1] “psalmus oculi sperantis”, in RAVASI, G. Il Libro dei Salmi, III vol. P. 548. EDB, Bologna, 1985.

[2] No ODC, “Senhor”.

[3] No ODC, “Cansados de tanto sofrer”. A cadência do verso, com esta formulação, comparada a das estrofes anteriores, fica quebrada, dificultando a naturalidade rítmica do canto, pelo quê, me permiti dar esta nova formulação.

[4] De acordo com a identidade do grupo que celebra, suas afinidades ou proximidade, se cantará o nome da nação ou do povo que tenha mais a ver:  “ o Povo Xucuru”,  “ a Nação Truká”, “o Povo Fulniô”, “o Povo Kaiowá”, “o Povo  Ianomami” etc. em resumo: POVO DE RAIZ!

Obs: REGINALDO VELOSO, presbítero leigo das CEBs (essa é minha condição eclesiástica atual, o que me deixa particularmente feliz)
– Membro do MTC (Equipe Maria Lorena – Recife)  (terminou meu “mandato” como “Assistente Regional”)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]