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Desconfio
que a perda de visão de Borges
foi premeditada.
Para o cego ou o encarcerado
o tempo flui devagar, águas abaixo.
O tempo do cego faz limite
com a eternidade.
Borges, sabedor de que
a obra de um autor
é uma só, não importa
quantos livros publique,
estava cansado,
já tinha visto muito.
Leitor alexandrino,
sabia ainda que
o que escrevera era
e seria para sempre,
incipiente.
Sarcástico e sábio
porque ria de si mesmo,
sabia também
que o mundo do futuro
é um mundo antimoderno,
universo das abolições
em que o novo não interessa
só as repetições.
Dalí em diante
pensou ser outro,
o Borges, o decifrador
de labirintos que,
diante de todos os espíritos utópicos,
tinha sempre uma desdita guardada:
o cansaço.
Mas, humano,
carregava na retina
uma utopia:
a linguística,
buscava maneiras
de descrever o inefável
e dizer o indizível.
E, Velho, viu-se no labirinto
do vivido e do sonhado,
seu labirinto tão temido
e tão amado: o das palavras.
Descortinou seu mundo
porque soube ali,
que cada um
deve encontrar o seu,
para nele se perder ou se achar.
Assim, se viu o Outro,
envolto
na sua sombra gigantesca
e enredado
na sua perplexidade metafísica.
Mas Borges, o Mesmo,
havia encontrado o Aleph,
e soube enfadado
que o infinito recomeça sempre.
Descobriu também,
já Velho,
guerreiro vencido
de armas depostas
na luta vã com as palavras,
que a eternidade não está nelas,
mas no sonho e nos espelhos.
No fim,
Jorge Luis Borges
era um gaucho bagual,
um criolo da pampa
que um dia,
ao se mirar num espelho
nele se perdeu.
Daí a sua opção pela cegueira,
uma cegueira iluminada. (26.03.16)
Obs: RONALDO TEIXEIRA @espantalholirico cearense de Iguatu, radicado no Tocantins há 50 anos, reside em Palmas. Foi coordenador de Arte e Cultura da Secretaria de Cultura de Gurupi por 8 anos. Atua no meio jornalístico há cerca de 28 anos. É bacharel em Comunicação Social – jornalismo. Autor dos livros MERCADOR (poesia/1998), SURTOS & SUSTOS (crônicas 2008); PARA QUE O FANTÁSTICO NÃO SE AUSENTE, (poesia/2012); e TRANSWEBHUMANAS – VINHETAS, METATRATADOS & BALADINHAS POÉTICAS (poesia/2019) pela Editora Kazuá (SP).