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Neste ano de 2021, no Brasil, no campo ecumênico das Igrejas, uma das mais importantes novidades é a criação da Rede Ecumênica da Água (REDA). Iniciativa do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), este organismo reúne cristãos e cristãs de várias Igrejas com o objetivo de promover o cuidado com a água potável como direito de todo ser vivo e bem comum da humanidade. Como tudo está interligado, a defesa da água potável abrange mesmo as não potáveis, como as dos oceanos e todas as águas, como elementos fundamentais dos quais depende toda a vida no planeta.

A defesa das águas é assunto prioritário para todas as correntes espirituais que ligam a fé com a vida.  Em todas as religiões, os elementos considerados sagrados devem ser profundamente respeitados e protegidos. Ora, no mundo capitalista, a água, assim como a terra e toda a natureza são consideradas meramente como mercadorias a serem exploradas, sem outro critério a não ser o lucro das elites.

De fato, neste mês de agosto um alerta importante foi dado sobre a estiagem na região do Pantanal, que atinge rios, vales e baixadas nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Já há quase três anos sem enchente nos rios, a região enfrenta uma das piores secas do século. Felipe Dias, diretor do SOS Pantanal, afirma com clareza: “A crise é consequência de falta de proteção de nascentes, de cursos d’água. É falta de recarga dos aquíferos com a impermeabilização que fazemos nos solos”.

Em outras regiões como Minas Gerais e a Amazônia, as mineradoras e o garimpo continuam provocando destruição sistemática e cruel de rios e fontes de água com consequências sempre mais trágicas.

Por isso, não deixa de ser consolador ver que, em todo o continente latino-ameriano, cada dia cresce mais a consciência de que a defesa da água é responsabilidade de toda a sociedade civil. Em julho deste ano, Gualegaychu, cidade da região de Rosário na Argentina, aprovou oficialmente a realização anual de uma Semana do Direito Humano à Água e ao Saneamento Básico. Isso foi consequência de uma luta árdua e que vem de muitos anos da sociedade civil e de instituições como  a Ágora dos/das Habitantes da Terra na Argentina e a Cátedra da Água na Universidade de Rosário, luta coordenada pelo professor Anibal Facciendini e sua equipe. Gualegaychu é uma cidade que luta contra indústrias de pasta e papel que contaminam o rio Uruguai que banha toda aquela região. O objetivo da semana anual do Direito Humano à Água e ao Saneamento é conscientizar a população e lutar contra a mercantilização e privatização da água e dos serviços de saneamento.

A falta de saneamento ambiental, sobretudo em países pobres, colabora para a contaminação dos mananciais. Conforme dados da ONU, no mundo atual, mais de 1,2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável e 2,4 bilhões não têm acesso ao saneamento. O impacto na saúde humana e no meio ambiente é trágico. Agrava-se ainda mais essa situação quando a ambição, visando usos futuros privados da água, a privatiza. A partir de dezembro de 2020, pela primeira vez na história, a água passou a ser negociada como commodity no mercado futuro em bolsa de valores. Em Wall Street, na Bolsa de Valores de Nova York, a Nasdaq lançou  o Nasdaq Velez Califórnia com o seu Water Index (a cotação da Água).

As culturas originárias e toda a sabedoria ancestral da humanidade nos ensinam que “estamos vinculados ao universo através da água”. Para quem crê em Deus, em qualquer que seja a tradição religiosa, a água é sempre vista como expressão cósmica do amor divino. Por isso, a Rede Ecumênica da Água, mesmo sendo iniciativa de Igrejas cristãs, provoca o diálogo e o ecumenismo entre as culturas e com outras religiões. Além de ser uma rede em defesa da água, estimula a espiritualidade ecológica. Esta ajuda as pessoas e comunidades a integrar a água como sinal e instrumento de união com o todo o universo que nos cerca. Em nossos dias, toda a humanidade precisa considerar a Água como santíssimo sacramento da vida.

Obs: O autor é monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares.
É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 57 livros publicados no Brasil e em outros países. O mais recente é Teologias da Libertação para os nossos dias (Vozes).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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