Rômulo Vieira 1 de agosto de 2021

É interessante como ao longo de nossas vidas nós vamos vendo, ouvindo, vivenciando e aprendendo tantas coisas. E acredito que mais fascinante ainda é que cada um vê, ouve, vive e aprende do seu modo, único e intransferível, cada um dá o peso e a medida segundo o seu próprio desejo. Assim continuamos, aglomerados, mas isolados, “cada um na sua”.

Neste contexto da individualidade, lembramos que na nossa fase de criança éramos aterrorizados com  as lendas e mitos que nos contavam, às vezes com ameaças: se não fizeres isso o “papa figo” (velho que comia o fígado de crianças) vem te pegar. Se não obedeceres, a “cumadre fulozinha” (comadre florzinha – senhora que dominava as matas e florestas) vai te levar para o meio da mata e te deixar por lá, perdido. E, coitado de nós, vivíamos numa dúvida tremenda: será que essas figuras realmente existem? Será se eu não fizer isso que não quero fazer, mas sou obrigado a fazer, vou ser penalizado por uma dessas criaturas? Por via das dúvidas era melhor obedecer e cumprir o determinado, mesmo contra a vontade.

O bom é que esse dilema logo era superado, bastava uma boa corrida no campo, com o vento batendo no peito aberto, que todas essas dúvidas e receios logo eram superados. Uma farra nas fruteiras do quintal nos livrava de todo essa angústia. Não tinha desavença que não fosse superada por uma boa “pelada” no campo, mesmo se após a peleja estivéssemos com a “cabeça” do dedão do pé arrebentada. Que maravilha essa época de criança, mesmo com as  lendas e mitos nos fazendo pensar duas vezes antes de realizarmos uma traquinagem.

E vem a adolescência, para alguns a “aborrescência”.  Que fase complicada, quantas dúvidas, quantos aborrecimentos, quantos sonhos desfeitos, quanta insegurança. Para alguns, nessa fase, parecia até que o mundo todo  conspirava contra eles. Quanta revolta. Por que o “foco” de vida nessa fase muda tão constantemente? Passamos de herói a bandido,  de um príncipe a um simples sapo, de um grande gênio a um idiota completo. Às vezes incorporamos o grande espadachim Zorro, outras somos o digno representante de Dom Quixote. Mas continuamos no processo de aprendizagem, a mente vivendo uma fertilidade encantadora, sonhos e mais sonhos, na esperança de voos cada vez mais altos. Mente sã em corpo são  e as batalhas vão sendo vividas e vencidas e o tempo não para. As mágoas dos amores não correspondidos, machucam, mas vão nos  fortalecendo, nos conduzindo para outra etapa da vida: a juventude.

Ah a juventude! Nessa época nossas batalhas são para “sermos gente”. Temos que realizar obras importantes, como aquelas já realizadas por outros jovens brilhantes. Temos que ser bem- sucedidos nos estudos, é indispensável sermos aprovados no desafiante vestibular e em seguida “conseguirmos” um excelente emprego. À época esse emprego, preferencialmente, deveria ser em uma empresa pública, pois essa trazia bons salários, segurança e perspectivas de sucesso. Quantas mudanças para os dias de hoje. Esses sonhos certamente não são alimentados mais pela juventude. Os jovens são desafiados a todo momento a serem empreendedores. E o sonho é: eu quero ser meu próprio chefe. Quero ganhar muito bem, levar uma vida tranquila e viver confortavelmente  quando estiver em uma idade mais avançada.

A juventude passa tão rápida que às vezes não percebemos o que é sonho e o que é realidade. Aqueles amores que pensávamos serem para sempre, passaram, as dores daqueles amores mal vividos são amenizadas. Entretanto nessa época não se destroem os sonhos, eles continuam, apenas vão sendo mais próximos da realidade. A mente ainda dialoga com o corpo e ambos vão amadurecendo e crescendo em realizações e qualidade de vida e as esperanças são renovadas a cada dia. Crescem as expectativas, as lutas se intensificam, a busca agora era pela maturidade,  a nova etapa de vida.

Chegando a maturidade, tão esperada, aparecem novos desafios, novas dúvidas. E de certo modo, aparecem os questionamentos: será que percorri meu caminho até aqui com sabedoria? Será que poderia ter vivido melhor?  Tenho sido atencioso e responsável com minha família? Tenho dedicado à minha família todo amor que ela merece?  Fui um bom profissional? Continuo sendo? E sem ter muita dúvida proclama-se aquela famosa expressão: “ eu era feliz e não sabia”. Corri tão apressadamente para chegar à maturidade, acreditava que ela resolveria todos os problemas de minha vida, mas descobrimos que não é bem assim. Os dilemas quase sempre trocam de foco, mudam de nome,  são encarados de forma diferente, mas eles continuam a nos  desafiar. Eles fazem parte de nossas vidas. Eles tem que estar em nossas vidas para crescermos e amadurecermos. Cada vitória na vida é um passo para a concretização de um ser melhor.

Contudo com o passar dos anos precisamos harmonizar a mente e o corpo. A mente continua a criar, a driblar dificuldades, a projetar sonhos, a lutar pelas conquistas desejadas, a amar. Neste momento lembro de uma frase do meu irmão Marcos  quando lhe falavam que “fulano” era um velho,  mas de espírito jovem, ele dizia: “isso não existe, o espírito tem a mesma idade do corpo”. Mais recentemente ouvi do meu amigo Solano, referindo-se ao descompasso  entre o corpo e o espírito em uma idade mais avançada: “o corpo não mente”.  Percebemos que nossa trajetória fora para chegarmos à maturidade. Tudo que vivemos, desde a adolescência até a maioridade, foi para o nosso crescimento como ser humano. Tudo valeu a pena, mesmo aqueles momentos mais difíceis da vida. Na vida é indispensável passarmos por todas as fases se quisermos chegar à maturidade, não tem como pularmos etapas. Mas considerando os filósofos Marcos e Solano podemos concluir que: o corpo não mente. Ele reclama do tempo vivido e discute com o espírito, alertando-o que o mesmo não acompanha mais os seus arroubos. Corpo são e mente sã, mas em harmonia.

Obs: O autor, Prof. Dr. Rômulo José Vieira é Acadêmico da Academia de Ciências do Piauí; Acadêmico da Academia de Medicina Veterinária do Piauí; Acadêmico correspondente da Academia de Medicina Veterinária do Ceará; Acadêmico correspondente da Academia Pernambucana de Medicina Veterinária.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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