A grande insistência do Papa se traduz na proposta de uma Igreja que deixa de ser “auto referencial”, de ter a si mesma como medida para sua ação
A presença entre nós do Papa Francisco se constituiu em abundante semeadura. Cabe a nós agora cultivar essas sementes, a começar pelas mais necessárias para a caminhada de renovação eclesial em que nos encontramos. Tendo presente o conjunto de suas homilias e de seus gestos simbólicos, é fácil perceber algumas insistências do Papa Francisco, fruto de suas convicções. Vale a pena destacar algumas.
Uma primeira insistência é de ordem espiritual, e propõe uma atitude de muita confiança na misericórdia de Deus. No começo, parecia que esta insistência na misericórdia divina era meramente circunstancial, em vista do “domingo da misericórdia” que estava sendo celebrado no início do seu pontificado. Mas logo se percebeu que ultrapassava as circunstâncias concretas, e se constituía em mensagem central do Evangelho. E não deixa de ser verdade, que a misericórdia divina faz parte do núcleo central do Evangelho de Cristo. A própria Igreja precisa assumir “as entranhas maternas da misericórdia”.
Outra insistência do Papa Francisco está ligada à simplicidade, à transparência e à pobreza. A começar pelo testemunho que ele transmitiu, deixando bem claro que ele não se identifica com ambientes de elite, onde prevalecem a ostentação e o luxo. Foi enfático em advertir que não fica bem para as pessoas consagradas para estarem ao serviço do povo se valham desta situação para buscar aparências superficiais e enganosas.
A constatação de que o próprio Deus se faz de necessitado mostra o alcance desta atitude de desprendimento e simplicidade. “Deus entra pelo subterfúgio de quem mendiga”. Deus se faz de necessitado, para facilitar a acolhida e o diálogo. Outra insistência se refere à “conversão pastoral”, que reiteradas vezes apareceu em suas homilias. A recomendação concreta enfatiza a importância da proximidade que a Igreja precisa ter face às pessoas e à sociedade. “A proximidade toma forma de diálogo, e cria a cultura do encontro”. São dimensões que fazem pensar nas situações cotidianas que envolvem a pastoral, e que precisam caracterizar a postura da Igreja, chamada a criar espaços de diálogo e oportunidades de encontro.
Uma insistência “revolucionária” foi expressa pelo Papa Francisco em forma de abertura missionária. A Igreja precisa “abrir as portas”, não só para acolher bem os que a procuram, mas sobretudo para sair de si mesma, e ir ao encontro dos que se estão afastados, ou mesmo já separados da própria Igreja.
Por aí passa a mudança radical que o Papa está propondo. Se for assumida, mudam as perspectivas eclesiais. De uma Igreja acuada, e refugiada em suas próprias estruturas, se passaria para uma Igreja que vai ao encontro das pessoas e da sociedade, se faz próxima, e se coloca ao serviço das grandes causas do Evangelho.
Na verdade, a grande insistência do Papa se traduz na proposta de uma Igreja que deixa de ser “auto referencial”, de ter a si mesma como medida para sua ação. Mas que, ao contrário, escuta os apelos e os desafios que a realidade de hoje lhe apresenta, para aí situar o sentido de sua presença e de sua atuação.
Ele fala numa Igreja “descentrada”, que deixa de ter suas estruturas como referência, mas se situa na “periferia”, e a partir da periferia ela pode reencontrar sua verdadeira identidade e sua missão própria. É importante perceber como o Papa situou suas recomendações no horizonte da “Conferência de Aparecida” com sua proposta de realizar uma “missão continental”, colocando a Igreja em “estado permanente de missão”.
Tudo indica que este documento, com o Papa Francisco, assumirá significado mundial, ultrapassando os limites de sua destinação original para o continente latino americano. Neste contexto, deciframos melhor o que o Papa quis nos dizer com suas valiosas homilias. Ago 08, 2013
Obs: O autor é Bispo Emérito de Jales.