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Há alguns anos, quando minhas filhas ainda estavam na Escola Parque, uma delas chegou em casa e leu para mim um texto de Rubem Braga, que havia trabalhado na aula de literatura e que, da mesma forma que a impressionou, impressionou também a mim. E muito. Tanto que, até hoje, ele me inspira e faz refletir.

O texto é O PADEIRO. E nele, Rubem Braga discorre sobre a invisibilidade que vamos imponto às pessoas, sem sequer nos darmos conta do mal que estamos fazendo.

“Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:

        — Não é ninguém, é o padeiro!

        Interroguei-o uma vez: como tivera a ideia de gritar aquilo?

        “Então você não é ninguém?”

        Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era: e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: “não é ninguém, não senhora, é o padeiro”. Assim ficara sabendo que não era ninguém…”

Ao ouvir a leitura desse texto e, mais especificamente, essa parte que coloquei acima, senti um aperto no peito e um aprofunda tristeza, por imaginar que, assim como o padeiro da crônica de Rubem Braga, quantas centenas, milhares, milhões de pessoas, não se sentem assim? Arriscaria a dizer que qualquer trabalhador doméstico se sente assim.

Para as pessoas, de uma maneira geral, quem cozinha, lava roupa, faz faxina, cuida das crianças, serve a mesa em uma casa ou serve o café ou faz a limpeza em escritórios, gabinetes etc, são realmente invisíveis. Assim como porteiros, vigias, ascensoristas e zeladores de prédio ou motoristas, sejam de transporte público ou privado.

E, por não enxergarem essas pessoas, devem achar que elas também não ouvem e não veem, sentindo-se, dessa forma, bem à vontade para falar o que pensam, sem se preocupar, porque “ninguém” vai estar ouvindo.

Mas as pessoas ouvem e presenciam cenas, e se magoam com essa indiferença. Outros “invisíveis”, na Inglaterra, por exemplo, escrevem livros e expõem a intimidade da família real e os bastidores da corte.

Nas escolas, as pessoas “populares”, geralmente decidem quem deve ser enxergado e quem deve ser ignorado.

Na vida, de uma maneira geral, as crianças e os idosos, se tornam invisíveis aos olhos dos mais velhos e dos jovens, respectivamente.

Aos pais que não enxergam os filhos e conversam na frente deles sem se preocupar, muitas vezes passam por vergonhas tais como, na frente de uma pessoa que cumprimenta efusivamente e comenta “bom te ver”, a criança, inocentemente comentar “como assim muito bom? Você falou que não suportava ela!”

Em relação aos idosos, fica mais grave. À medida que vamos envelhecendo, a invisibilidade aumenta, nossas opiniões não são mais necessárias e nos escutar é perda de tempo. Velhos não têm mais nada de bom a dizer.

Então basta observar as listas dos invisíveis e relacionar com as listas dos preconceitos que hoje imperam em nosso país, vamos perceber que estão, intimamente, ligados.

Que são os invisíveis? Os pobres, as pessoas pretas, os trabalhadores de serviços mais humildes?  As mulheres na sociedade patriarcal? São tantos os invisíveis que, se por acaso se dessem conta disso, poderiam se unir e se mostrar com toda força aos chamados “visíveis” e fazer-se notar e fazer valer a importância que têm na vida dos que os ignoram, na vida do mundo.

Que tal fazermos uma espécie de exame de consciência e procurarmos, dentro de nós, de que lado vivemos? Dos visíveis ou dos invisíveis? Não importa o lado que estamos, qualquer que seja ele, é hora de mudar de atitude. Se for do grupo dos visíveis, está na hora de enxergar as pessoas que estão ao seu redor.

Mas, se você se acha do lado dos invisíveis, é hora de se mostrar e de fazer ver.

Ninguém é invisível. Algumas pessoas, uma minoria, é que, com sua atitude egoísta e arrogante, finge que não enxerga algumas pessoas e as fazem sentir-se invisíveis.

Qual o lado que você quer estar? Vamos pensar nisso?

Obs: A autora é jornalista,  blogueira e Assessora de Comunicação

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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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