Dasilva 15 de julho de 2021

“Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de alguém, sem exibição ou espalhafato. Tua tarefa é facilitar o que está acontecendo. Se deves assumir o comando, faz isto de tal modo que auxilies a mãe e a deixes que ela continue livre e responsável. Quando nascer a criança, a mãe dirá com razão: nós três realizamos esse trabalho. Adapt. de Lao Tse, séc. V a. C.

  1. O debate sobre Educação Popular revela concepções e interesses contraditórios. Para alguns é uma ferramenta, na luta pela emancipação de toda forma de opressão. Outros reduzem-na ao mero processo de ensino e aprendizagem – metodologias para provocar o “participativo”. Os populistas usam como linguagem em suas capacitações para facilitar e reproduzir ideias da classe dominante. E há os que usam, com roupagem acadêmica, para insinuar pretensa neutralidade e negar o caráter politizador da Educação.
  2. A educação é uma das maneiras de tornar comum o saber, ideia, crença consideradas como bem, trabalho ou vida. A educação, por si só, não transforma a realidade, mas sem ela a sociedade muda ou se mantém. A educação tem um papel na organização da sociedade para ordená-la, reformá-la ou até revolucioná-la. Não há só uma forma ou modelo de educação. A intencionalidade política da Ed. Pop. é direcionar a ação a partir da ideologia que dá às forças sociais e políticas, presentes no meio dos pobres.
  3. A educação é uma disputa de hegemonia. Uma classe tem hegemonia sobre outra classe quando exerce sobre ela um processo de direção no plano político, cultural e ideológico. A hegemonia se constrói e se recria, na vida cotidiana. Por ela que se interioriza valores e constrói sujeitos domesticados ou críticos. O capitalismo, por exemplo, mesmo sem resolver os problemas da sociedade, convence o povo de que não há alternativa de vida, fora desse sistema. Quer dizer, não existe formação politicamente neutra.
  4. Faz Política quem tem Poder, quem tem a força necessária para decidir em todos os espaços, na sociedade. Numa sociedade de classes, não pode haver educação que seja a favor de todos – será sempre a favor de alguém e contra alguém. Serve para a pessoa se acomodar ao mundo ou se envolver na sua transformação. Ao ser conservadora se coloca a serviço de grupos que ganham com a manutenção da dominação. Ao ser libertadora aponta para uma ordem sem a marca da exploração.
  5. A educação acontece na escola que significava ócio, espaço criativo. Hoje, a escola pode educar ou escolarizar. Em geral, treina passivos sujeitos para se tornarem Força de Trabalho a ser vendida no mercado, em troca do salário para garantir a sobrevivência. O saber é libertador quando vai além do enletramento ou entender conceitos. Pois, educação é uma informação que se usa; que se torna ação prática. É conhecimento quando faz parte da vida, quando ajuda a conhecer o mundo para transformá-lo.
  6. A Ed. Pop. assume que é uma concepção política-pedagógica na formação dos oprimidos, na sociedade de classes. Significa todos os esforços de mobilização, organização e qualificação (política, técnica e cultural) que preparam as classes populares para o exercício do poder que necessariamente devem conquistar. Sua missão é despertar e desatrofiar o corpo, mente e coração e, com isso, devolve a voz ao povo e o transforma em sujeito político capaz de decidir seu destino e o destino da sociedade.
  7. Portanto, não se reduz a dinâmicas e metodologias. Pedagogismo, metodologismo infantilizam as pessoas, produzem a euforia do participativo, mas não preparam atores políticos para entender e comprometer-se com a transformação da realidade. Quem faz só pedagogia, só metodologia, sem visão política, faz a contra-educação popular. Assim, não existe Educação Popular fora de processos de luta popular. Ela qualifica a classe oprimida para romper com a lógica do capital e construir uma nova ordem social.
  8. A Educação Popular parte da afirmação que toda história tem dois lados e adota o método dialético que olha a realidade em permanente tensão e intenso processo de luta. Pois, o conflito está na essência da vida. O conflito gera o movimento, que gera a mudança, a vida social, a história. A Educação Popular, então, encara a contradição, como desafio e possibilidade: a contradição é a chance de mudança. O movimento criado pelo conflito dá a certeza de que o mundo não foi e nem será sempre assim: tudo pode mudar, tudo o que foi construído pode ser desconstruído e reconstruído.
  9. A Educação é uma ferramenta da organização popular que ajuda a traduzir, divulgar e recriar o saber; que contribui e acompanha a elaboração e a implantação de sua estratégia; que qualifica pessoas que se dispõem a transformar, pela raiz, o sistema capitalista. Por isso, ajuda a elevar o nível de consciência da classe oprimida; busca incorporar a massa como ator político; facilita a assimilação e aplicação da metodologia participativa e compromete o educando na multiplicação criativa do aprendizado.
  10. Para obter coesão, a organização popular constrói processos de convencimento. Isso fortalece o grupo e torna possível conquistas e a implantação de um projeto que garanta seus interesses, de forma permanente. Então, não forma uma pessoa e depois vê o que ela vai fazer. Aposta em quem já luta, pois, o conteúdo, o método e o ritmo da formação se orientam por uma concepção de mundo e objetivos concretos. Prioriza homens e mulheres que trabalham e têm a capacidade de mudar as condições da existência.
  11. Educação se refere ao processo pedagógico de Por isso, acolhe o que o povo já sabe, mas problematiza suas “certezas” para ajudá-lo a dar outros passos e, com uma postura de diálogo onde não há superiores, partilha o saber acumulado da prática social. É Popular porque significa que é uma pedagogia que tem lado – opta por um dos polos na luta de classe, a classe explorada que pode assumir a intencionalidade de qualificar atores políticos para a construção de uma nova ordem social.
  12. A pedagogia da Educação Popular leva em consideração o querer dos educadores, sua mundivisão e seus acúmulos; o interesse da classe que trabalha expresso em demandas e a o contexto da teia de relações econômicas, históricas, culturais, políticas, sociais… Tudo isso, dentro de uma postura de intercâmbio entre educadores e educandos. Por isso, nos processos de luta e organização popular, a formação aposta em pessoas e experiencias que, em ondas, possam irradiar práticas exemplares.
  13. A eficiência e eficácia da Educação Popular se comprovam quando: anima e apaixona o oprimido ao resgatar sua identidade e autoestima; rompe a dormência e a sensação de impotência gerada pela opressão; mobiliza por conquistas concretas; qualifica pessoas para atuarem na realidade social; eleva o nível de consciência; provoca a multiplicação criativa; canaliza os processos legítimos de luta pela emancipação e articula práticas, em níveis cada vez mais amplos.

Em resumo, a Educação Popular entende como tarefa educativa o processo de recolher as ideias dispersas do povo; transformá-las em ideias sistematizadas; voltar e devolver essas ideias ao povo para que as assuma e as traduza em ação; verificar a justeza dessas ideias na vida concreta. Para isso, só há um caminho: ir para o meio do povo, aprender com ele, tirar das experiências princípios e métodos e ajudar o povo a pô-las em prática para resolver seus problemas e alcançar a libertação e a felicidade.junho/2021

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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