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Quando viemos a este mundo
cegamos com tanta beleza.
Era tudo perfeito demais.
No início era o olho.
Mas criamos o verbo
para dominar coisas e seres.
Talvez, por isso, esse senso de estranhamento,
de não pertencimento
que trazemos encalacrados.
A excessiva beleza
nos cegou os olhos.
E fizemos da língua o nosso cajado-mor
decifrador do mistério e do encantamento reinantes.
Palavras são gaiolas.
Prendem a alma das coisas e seres.
Sabem apenas do alfabeto das finitudes e reduções.
A palavra aprisiona o ser,
material e imaterial.
Profiro-a e o finito dos sentidos se agiganta,
enquanto a minha percepção das possibilidades
se apequena.
Prefiro o grito surdo do olho
que vê sem dominar.
Todo olho transborda.
É preciso analfabetizar a língua
porque o sentido das coisas é ser e transbordar.
Para que elas voltem a ter
suas transcendências e singularidades.
Porque quem disse que o olhar gasta o ser olhado
foi o homem dominado pelo medo da beleza.
Criamos palavras que estão aquém e além do
ser e da coisa nominados.
Ornitorrinco, por exemplo,
só com o olho podemos percebê-lo.
É quando a palavra se torna mais estranha
do que o próprio ser.
Paralelepípedo é outra.
Fantasmagoria verboalucinante que
falando muito não diz nada.
Reverbera mas não traduz o vazio denso
contido na própria composição da pedra,
que há milênios porta uma mensagem indecifrada.
E isso tudo é tão mais estranho quanto a própria
estranheza do ser denominado.
Estamos fatigados de ver e rever.
É preciso transver o mundo
como disse o poeta.
E só o olho tem a dosagem exata
da imagética necessária
pro encantamento do humano viver.
Mas o homem
há muito domesticou o verbo
e isolou a tríade sagrada do olhar:
o ver, o sentir e o perceber.
Por isso,
esses olhos trevosos
de quem hoje olha pro mundo
e não vê mais nenhuma beleza.
(palmas, tocantins, aos 4 dias do ano de MMXV)
Obs: O autor é Jornalista e Gestor Cultural.