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Estive em Porto Alegre participando de um seminário sobre a problemática habitacional e a função social da propriedade. Lá estávamos, em maioria, profissionais que labutam na área do Direito. Daí que nos postamos diante dos desafios na aplicação dos instrumentos legais sobre a função social da propriedade.

Em matéria de habitação, o principal problema era e continua sendo o grande adensamento nas cidades. Segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), divulgados neste mês, a falta de coleta de esgoto alcança 34 milhões e 500 mil pessoas nas áreas urbanas do Brasil. Treze milhões e duzentas mil pessoas vivem em unidades superlotadas.  O IPEA constata ainda uma grande desigualdade entre as regiões do país. A proporção da população urbana que não conta com serviços sanitários é seis vezes maior no Norte e mais de quatro vezes superior no Nordeste do que no Sudeste. Também com relação à raça, os dados do IPEA colocam um dado chocante. Os serviços de água, esgoto e coleta de resíduos oferecidos à população branca suplantam em quase o dobro os mesmos serviços prestados à população negra.

Líderes religiosos, psicanalistas, humanistas, urbanistas e poetas debruçaram-se sobre a questão da moradia e suas implicações existenciais.

O Conselho Mundial de Igrejas, que é um plenário ecumênico, declarou que nenhum direito é possível sem certas garantias básicas dentre as quais destaca a da habitação decente.

Erich Fromm, o notável psicanalista humanista, assinalou que as relações entre os indivíduos perderam o caráter direto para adquirir um conteúdo de manipulação e instrumentalidade. Esse fenômeno ocorre porque as cidades perderam a substância humana.

Carlos Drummond de Andrade poetou: “no cimento, nem traço da pena dos homens. As famílias se fecham em células estanques. Há muito se acabaram os homens.”

O urbanista Louis Virth sentenciou: “uma civilização pode ser julgada pelas condições mínimas de moradia que tolera”.

Determinada parcela da população mora convenientemente, e nisso não há nenhum reparo a fazer. Mas todos deveriam desfrutar desse benefício. Morar dignamente é um direito universal. Se até o João de Barro tem sua casinha, o ser humano pode ficar ao relento ou habitar de uma forma agressiva ao corpo e à mente, sem conforto, sem condições de higiene?

Cumpre proclamar que todas as pessoas têm o “direito de morar”.

Dorival Caymmi, em samba inspirado, expressou a angústia de não ter um teto:

“Eu não tenho onde morar

É por isso que eu moro na areia

Mas eu não tenho onde morar

É por isso que eu moro na areia.

Eu nasci pequenininho

Como todo mundo nasceu

Todo mundo mora direito

Quem mora torto sou eu.”

Junho, mês de São João, meu patrono, reserva-me sempre encontros que me fazem crescer. Desafia-me para vôos. Não posso me acomodar. Convoca-me a manter na alma a chama. Devo colocar um tijolo, o tijolo que me cabe na construção coletiva.

Obs: O autor é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante. 
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