As pesquisas pretendem encontrar uma forma de dotar bonecos e bonecas revestidos de silicone capazes de imitar a pele humana.
Quem da minha geração poderia imaginar, há 40 anos, que hoje teríamos em mãos um aparelho que cabe no bolso da camisa e nos permite conectar com o mundo, ver filmes e vídeos, fazer pesquisas e até proferir conferências com visibilidade para o público?
Quem poderia supor que as redes digitais quebrariam o monopólio de notícias em mãos da grande mídia ou que um hacker seria capaz de, à distância, sugar eletronicamente arquivos secretos (mas não seguros) dos governos?
O que o futuro nos aguarda supera o imaginário da soma de mentes visionárias como Leonardo da Vinci, Júlio Verne e George Orwell. Foi um artigo de Ricardo Abramovay que me chamou a atenção para o livro de Jenny Kleeman, “Sex robots and vegan meat. Adventures at the frontier of birth, food, sex and death” (em tradução livre “Robôs sexuais e carne vegana. Aventuras na fronteira do nascimento, da alimentação, do sexo e da morte”).
A autora informa que no Vale do Silício pesquisadores buscam como nos assegurar a felicidade com recursos tecnocientíficos. Uma pessoa deixaria de procurar seu parceiro ou parceira ideal, livre do risco de se decepcionar ;com vários relacionamentos; bastaria adquirir um robô dotado de inteligência artificial programado para se adequar perfeitamente ao gosto de seu amo e senhor, inclusive na satisfação de seus desejos.
Um cético poderia retrucar que tal hipótese é absurda. Ora, não há milhares de pessoas que prescindem de relacionamentos humanos e vivem felizes em companhia de seus animais? Inclusive porque cães e gatos não falam, não questionam, não exigem DR e se ajustam com facilidade ao gosto do dono.
As pesquisas pretendem encontrar uma forma de dotar bonecos e bonecas revestidos de silicone capazes de imitar a pele humana. Outros teriam a função de acolher o feto para que ele se desenvolva fora do útero da mãe. Isso a livraria dos incômodos da gravidez e a manteria ativa no mercado de trabalho.
Os veganos, que apontam os males que a carne causa ao organismo humano e os rebanhos ao equilíbrio ambiental, poderão desfrutar de um churrasco cujas peças de alcatra, picanha e maminha procedem de vegetais. Não vale, entretanto, indagar se são alimentos orgânicos, pois considerável dose de ingredientes químicos se fazem necessários para tornar o leitão à pururuca tão suculento quanto o do vizinho não vegano que come o mesmo prato sem culpa.
Todo esse processo tecnocientífico ameaça a autonomia humana e corre o risco de transformar cada individuo em mera peça da linha de montagem da voraz fábrica de lucros. Ao preencher seu cadastro, seu médico, por exemplo, perguntará com que idade e em qual data você prefere morrer. Caso você sobreviva aos fatores imprevisíveis, poderá até mesmo redigir o convite a seus familiares e amigos, para que compareçam ao velório e às cerimônias religiosas.
Esse “admirável” mundo novo, visto de hoje, levanta uma questão não abordada pela ciência e a tecnologia: o que faz a felicidade humana? É óbvio que não resulta de fama, poder, dinheiro e beleza. Há muitas pessoas que alcançaram esses quesitos e são também felizes. Mas a legião de infelizes demonstra que não são suficientes. No entanto, sem nada disso, há milhões de pessoas felizes porque encontraram o fator fundamental para atingir esse bem – o sentido que se imprime à vida. E isso nenhuma inteligência artificial será capaz de nos incutir.
Obs: Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais. Autor de 69 livros, editados no Brasil e no exterior.
Autor em parceria com Mario Sérgio Cortella e Leonardo Boff, de “Felicidade foi-se embora?” (Vozes), entre outros livros.
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