A tarde passa lentamente. Nuvens escuras não permitem que o sol lance seus raios. A solidão é completa. O mundo se revela desabitado. De um lado e de outro, até onde a vista alcança, nenhuma ser vivente. Só eu tenho o privilégio de assistir o espetáculo que borboletas marrons e amarelas, sozinhas ou em dupla, enchem os meus olhos, em vôos rasteiros e subidas rápidas, regidos por uma sinfonia que só elas captam, a sugar, aqui e ali, as flores que árvores, arbustos e plantas menores ostentam e proporcionam. Flores alaranjadas, vermelhas, bordô bem escuro, brancas – algumas, verdadeiros buquês de noiva -, pequenas, médias e grandes, se oferecem para o ósculo das borboletas. Só eu testemunho os movimentos em linhas incertas que os vôos escrevem no ar. Sou, nesse exato momento, o único habitante da terra.
Tenho a plena certeza de que as borboletas se exibem, exclusivamente, para mim, como a mostrar que, nesses anos todos em que palmilho pela terra e pela vida, nunca parei para olhar a sua dança, marcando os vôos por subidas e descidas, em círculos ligeiros, pousando nas flores, para delas sugar alguma seiva, inocente beijo numa tarde, onde o sol, para não atrapalhar a exibição, se retraiu, deixando o palco livre para todas as borboletas e seus vôos, numa sequência sem falhas, que parecem ter sido precedidas de longos treinamentos, pela perfeição do conjunto de movimentos. Os beijos são rápidos e constantes, as flores não ganham tempo para ficar rubras, as borboletas estão diante de um harém, dardejando flor por flor, independentemente do tamanho, da cor e da árvore onde se instala e se sustenta.
Sinto estar no paraíso, a ausência do sol torneando o céu de um castanho esbranquiçado, que, quiçá, sirva de estímulo para tirar as borboletas de seu tugúrio e colocá-las no meio da vegetação, que, forrada do véu de amante desejada, se queda e se rende, languidamente, aos seus vôos e beijos, num encontro, esperado e anunciado, como a dizer sou tua, e a borboleta a responder, eu também, na cadência que permeia cada ato, até que a chuva anunciada desaba, as borboletas se retiram a procura de abrigo, enquanto as flores, já encharcadas, esperam novo encontro. Como se estivesse num teatro, a cortina se fecha. O espetáculo termina. Que pena! – Diário de Pernambuco, 9 e 10 de janeiro de 2021.
Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras