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Ontem fui assistir ao documentário de Vincent Carelli – “Martírio”.

Foi preciso determinação para, vivendo este calvário diário de notícias que nos indignam e que sugam nossa energia, aceitar o chamado generoso, mas convocatório, do criador da série “Vídeo nas Aldeias”, que vem dedicando boa parte de sua vida a formar, entre os indígenas, outros tantos cineastas como ele, capacitando-os a registrarem as histórias de seus povos.

Gostei muito do filme! Incomodou-me muito pouco o fato do filme não ser editado dentro de um padrão comum. Compreendi que também esse formato de fazer cinema é um desafio, fidelidade a uma postura que é, antes de tudo, a opção por ser apenas e simplesmente real. Coisa cada vez mais rara…

Além do tanto que o filme me ensinou sobre o Brasil e suas mazelas centenárias, quero comentar aqui, dois aspectos, que me pareceram fundamentais:

O primeiro, aterrorizante, é o desmascaramento definitivo da tal bancada política chamada ruralista. O registro que aparece em “Martírios” traz a cara odienta e odiosa desses seres humanos sórdidos, que falam, sem nenhuma sombra de pudor, em expulsar, controlar, matar outros seres humanos. É necessário ver, por mais terrível que seja! Precisamos saber. É uma desilusão final inevitável, que nos leva a uma conclusão: são monstros, disfarçados de parlamentares!

O segundo momento é o da fala gloriosa de uma mulher indígena. Frente ao afrontamento da Polícia Federal, que lhe indagava repetida e arrogantemente

– Quem é o líder desse grupo?, a mulher responde:

– Não tem um líder. Todo mundo aqui é líder. Eu, ele, ela, ele, ele, até o cachorro. Todos somos líderes.

E, frente à insistência do policial, ela apenas repete:

– Não temos líderes. Somos líderes. Todos nós.

Achei ma-ra-vi-lho-so!

A par disso, pensei, vivemos nós – os não indígenas – buscando líderes e ídolos a quem possamos seguir, que assumam responsabilidades por nós, que nos conduzam e que sirvam de bodes expiatórios, sempre que as coisas não saiam a nosso contento; que possamos idolatrar, para em seguida crucificar.

Sim, como o filme confirma, temos muito a aprender com nossos povos nativos. Até porque, não foram eles, sempre ameaçados de extermínio como se fossem praga, que nos ensinaram a degradar o meio ambiente, a poluir os rios, a matar desnecessariamente os animais, a envenenar os alimentos. Os povos indígenas não nos ensinaram ganância. Esta é uma doença que faz parte de nossa herança e eles seguem, imunes a ela, querendo apenas viver livremente, tendo respeitados seus direitos e costumes.

Num dado momento, um daqueles homens indignos do Congresso, em seu discurso absurdamente agressivo, diz que os indígenas não têm história. Que se valem de fantasias expressas oralmente, porque são inferiores. Quanta ignorância! Quanto desconhecimento do manancial precioso de riqueza que contêm as narrativas milenares de nossos povos nativos!

Conhecer e divulgar as histórias dos antigos, os mitos indígenas  – eu aproveito esse espaço e ocasião para repetir uma vez mais – é garantir uma parte fundamental de nosso território cultural, que sempre esteve e estará aqui, indelevelmente marcado, desde nossas origens. Nos mitos estão, simbolicamente expressos, os ensinamentos sagrados de nossa terra.  Mais do que nunca é hora de buscá-los!

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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