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Em todo o Brasil, novamente neste ano, a ameaça de novo surto da pandemia impedirá ao povo se reunir nas manifestações próprias das festas juninas. Apesar do cuidado com o distanciamento físico que a prevenção sanitária exige com razão, nada impedirá que as comunidades tradicionais, as de cultura rural e principalmente nordestina vivam o espírito de festa que é próprio deste tempo de junho.
Essas festas têm origens pré-cristãs como festas para as mudanças de estação. Na Bolívia, Peru e Equador, os índios festejam o ano novo andino. No Brasil, o povo faz festas com brincadeiras caipiras, quadrilhas e comidas típicas de cada região. As danças juninas mais comuns vieram das cortes da Europa. Quadrilhas eram danças da nobreza europeia nos tempos da colonização. O povo se apropriou delas e as democratizou. Atualmente, nos chamados “casamentos caipiras”, figuras como a do padre e do juiz da roça são caricaturados. Assim, pessoas pobres que não têm voz na sociedade expressam sua crítica social e seu protesto.
O fato de tomar como santos da Igreja Católica, como Santo Antônio, São João Batista e São Pedro como padroeiros dessas festas juninas se vincula aos tempos em que tudo era religioso. Revela resistência cultural e liga esses santos à realidade dos pobres de hoje.
Para as culturas tradicionais, tanto dos povos indígenas, como das populações do campo e do sertão, junho representa o tempo da colheita. Ainda há povos indígenas, para os quais esses festejos comemoram o início do ano novo. Até hoje os Guarani Mbyá chamam este tempo de Ara Pyaú (Tempo Novo). No Nordeste é a colheita do milho. No Sul é o batismo da erva mate, o ka’a nheemongaraí, cujas projeções sobre o ano novo são interpretadas pelo Xeramoi (pajé).
Novamente, neste ano, movimentos sociais e muita gente do povo, em geral, têm se manifestado nas ruas ou ao bater panelas pela Democracia e em defesa da Vida. De certa forma, toda manifestação popular e até o modo cuidadoso como em tempos normais as comunidades ensaiam e organizam os festejos juninos já constituem um verdadeiro ensaio de democracia.
Uma consequência da crise atual é que os diferentes movimentos sociais do campo e da cidade estão se unindo. As juventudes que frequentemente se manifestam através de seus ritmos próprios, de danças e movimentos artísticos, estão muito presentes e ativas nessas manifestações.
Mesmo se, neste ano, não será possível reunir as comunidades em torno das fogueiras ou nas danças juninas, o espírito dessas festas pede que as pessoas e comunidades possam ir além da criatividade com a qual ensaiam uma dança de quadrilha ou encenação caipira. É urgente ensaiar uma sociedade nova na qual todos e todas sejam protagonistas.
Mesmo a pandemia não pode nos impedir de viver um tempo novo de participação popular nos destinos do país. A Amazônia, a proteção da mata, dos rios e, no Brasil, todo o ambiente natural nunca foram tão agredidos e ameaçados de destruição. É também urgente restabelecer a dignidade da Política, colocada a serviço do Bem Comum.
Mesmo se, nestes dias, não podemos nos reunir para as festas juninas tradicionais, vamos prepara-las no coração e vamos ensaiá-las nos articulando virtualmente e de todos os modos possíveis para restabelecermos uma sociedade do cuidado comunitário. Para quem tem fé se trata de sinalizar aquilo que os evangelhos chamam de reinado de Deus. Do seu modo e em sua linguagem lúdica, as festas juninas traduzem uma palavra que os evangelhos atribuem a São João Batista: “Mudem de vida porque o projeto de Deus no mundo está próximo!” (Mt 3, 2).
Obs: O autor é monge beneditino e teólogo católico é especializado em Bíblia e assessor nacional do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares.
É coordenador latino-americano da ASETT (Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo) e autor de 57 livros publicados no Brasil e em outros países. O mais recente é Teologias da Libertação para os nossos dias (Vozes).