A começar pelo galo – que eu não conheci – ser portador de alguma doença mental, assertiva que faço despojado de qualquer ciência médica, calcado só na experiência de vida. Ou, então, tinha pouco sono. Ou, vá lá, carregava algum problema que, a partir de certa hora da madrugada, se acordava e começava a lançar para fora do quintal ou do galinheiro o seu estridente e pouco mavioso canto. O horário do início da cantoria era exato, madrugada por madrugada: 2,30 hs. Sei, e, me recordo bem, porque o galo me acordava, eu fitava o relógio digital e lá estava a hora. A mesma de sempre. Pontualidade britânica.
Comecei a me interessar pelo galo, sob o ponto de vista psíquico. Tenho alguma coisa de psicanalista sem diploma, acho, falando sério, que algo de Freud circula meu inconsciente de quando em quando, ficando até em dúvida se não serei uma reencarnação sua. O galo, conclui, sofria de alguma neurose. Era o diagnóstico mais forte. Da falta de sono, ou do sono curto, se aliava ao fato de ser cheio de problema, talvez o número de galinhas a sua inteira disposição estivesse a gerar algo que não podia superar, a idade já avançada, essa vida de marajá cercado de fêmeas, sem poder dar conta do recado, quem sabe.
Pensei em procurar o dono do galo para recomendar o seu exame por um veterinário especializado em psicanálise dos animais, especificamente de galo. O problema é que, no momento em que o galo cantava, às 2,30 hs da madrugada, do 14o. andar, não conseguia nem localizar a origem do som, sobretudo levando em conta que o edifício, onde passo agora minha chuva, é de esquina, e, as casas, com quintal, onde um galinheiro poderia existir, ficam do outro lado do canal. Mas, em qual daqueles quintais o galo cantava?
Não tive resposta. O certo é que, o canto do galo cessou, sem que eu percebesse de logo. O galo foi deletado de minha mente. Não demorou, tornei a ser perturbado no sono, agora pela latido de um cão, no edifício, que, a partir de certo instante da madrugada, me acordava, até que registrei queixa no livro das reclamações. Problema resolvido. O canto do galo incomodava menos. Reconhecimento tardio. Amélia estava morta, digo, o galo. Podia ser – Diário de Pernambuco, 18 de junho de 2016
Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras