O vazio existencial bate à nossa porta neste tempo de pandemia e nos deixa atônitos com as suas variantes: depressão, pânico, ansiedade e tantos outros desconfortos. Mas tudo isso foi o resultado do complexo mundo ocidental que nós mesmos geramos, sobretudo desde que começou a ganhar corpo a assim chamada modernidade. Precisamos identificar as raízes desta crise humana e propor caminhos alternativos para superarmos e atravessarmos esse momento obscuro da história.

Uma das conquistas da modernidade foi o princípio da subjetividade. O sujeito está no centro de tudo. Fora dele não há nenhuma verdade objetiva. Tudo depende do modo de como ele apreende o objeto. Essa nova maneira de conhecer vai de contra o princípio platônico de universalidade, unidade, homogeneidade, enfim aquele eidos (a coisa em si) exterior, ou seja, que estabelece o critério exato de verdade cai completamente por terra. Resta apenas o sujeito pensante que insiste em apreender a verdade a partir de modos diversos, seja codificando a natureza através de fórmulas matemáticas, seja criando os assim chamados paradigmas que podem ser derrubados por outros à medida que se vai descobrindo critérios de validade aceitos por determinada comunidade científica. É como se tudo dependesse de um acordo de certos grupos. Por isso, a verdade é algo convencional, não mais norma geral.

Pois bem, o problema está na absolutização da subjetividade, visto que tal opção leva ao relativismo. E justo aqui o sujeito começa a sentir-se angustiado porque vê-se afundando num terreno movediço. Não tem mais critérios sólidos para estabelecer um projeto de vida a longo prazo, pois tudo é líquido e efêmero, depende da onda do momento. Assim, o sujeito ora é arrastado por uma ideologia ora por outra e, dificilmente, consegue ancorar-se em valores que lhe deem um sentido autêntico e profundo de vida.

Há, contudo, um caminho alternativo para não nos sufocarmos pelo niilismo que nos rouba os valores essenciais de uma vida com sentido. Por isso, creio que o cristianismo ainda pode ser útil para o homem de hoje, pois nele encontramos uma proposta de sentido a partir de Jesus de Nazaré. Essa proposta não é nem conservadora nem progressista, mas radical.

A proposta radical de Jesus leva em conta a subjetividade, mas não em sua versão extrema, onde Deus vem tirado do horizonte de vida. Trata-se de uma subjetividade teônoma. Parte-se de uma convocação a uma verdade não platônica, mas relacional (“vinde e vede”), na qual cada pessoa é provocada a ser ela mesma a partir de um desabrochar de dons que são postos a serviço de uma causa maior: os mais frágeis. A subjetividade moderna é individualista, pois o sujeito enxerga unicamente a si mesmo e a suas próprias necessidades, por isso aqueles que economicamente podem mais massacram os que nada ou pouco têm. Já a subjetividade que Jesus insiste põe no centro não as necessidades particulares do sujeito, mas a partilha que considera a totalidade da vida. O Papa Paulo VI resumia isso no seguinte princípio: “o homem todo e todo homem”, isto é, o ser humano como um todo, não exclusivamente a dimensão consumista que devora vidas ao preço de um sistema de economia que prega a ideia equivocada de progresso.

O cristianismo como um projeto de sentido considera ainda um ser e um fazer específicos. A dimensão do ser reside no valor do tempo. Enquanto a nossa sociedade ocidental gasta o tempo para ocupar espaços, devorando os bens da natureza, esquecendo-se do princípio do cuidado, o cristianismo apela a algo maior que consiste em viver o tempo como ocasião de experiência que nutre relações com uma transcendentalidade e com rostos concretos. Além do mais, o tempo para nossa cultura hodierna é investido para gerar sujeitos de desempenho que de tanto se imporem exigências acabam por infartar psiquicamente. Mas o tempo no cristianismo é cuidar do outro e este deve ser seu único fazer. O apelo do tempo reside naquilo recordado pelo filósofo Byung-Chul Han: “Há, porém, também um outro tempo, a saber, o tempo do outro, um tempo que eu dou ao outro. O tempo do outro como dádiva não se deixa acelerar. Ele também se furta ao trabalho e ao desempenho, que sempre exige o meu tempo. […] Apenas o tempo do outro liberta o eu narcisista da depressão e da exaustão.” (HAN, Favor fechar os olhos, p. 41-42).

A proposta de sentido do cristianismo, portanto, consiste num olhar profundo sobre nós mesmos para curarmos nossa subjetividade dos exageros e colocá-la naquele movimento em direção ao cuidado do outro. Não vivemos para nós mesmos, nossa vida alcança seu ápice quando descobrimos a dádiva do outro!   (Camaragibe/PE, 03 de maio de 2021)

Obs: O autor é religioso da Congregação da Paixão de Jesus Cristo (Passionistas). Natural de Fagundes, Paraíba. É mestre em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) – Roma.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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