Quebrando silenciosa madrugada,
um bêbado canta seu refrão. Trocando os pés, empurrando o carrinho de mão. Vazio agora, como seu quengo, pleno de cachaça, daquelas ruins como o que! Imagino.
Também penso na fome. Fome faz delirar também, a barriga vazia sai puxando para lugar qualquer, até que se aquieta, instalada, vendo até onde se aguenta.
Tento entender a música, mas a língua está enrolada. Penso que deve ser dessas músicas novas que não sei a letra. Sou nostálgica quando o assunto é música.
Pés descalços, camisa vermelha amarrada na cintura e uma bermuda preta, esgaçada e escorregando cintura abaixo. No pulso, parecia uma máscara enrolada, mas não tenho certeza.
Só quando apontava lá no final da rua, consegui escutar “da lama ao caos, do caos a lama…” e finalizava com um “eu fui roubado, viu?”.
Minha mente sai atrás dele fazendo perguntas sem muitas respostas, senão as minhas…
Roubaram-lhe em tanto. Roubaram-lhe os sonhos, desejos, anseios, voz, família, dignidade, direitos. Já nasceu roubado de um tudo.
Na caçamba vazia, talvez mais um roubo, desses roubos de ladrões safados.
Ele dobrara a esquina ao longe, pegando a avenida principal. E me deixou com ele.
Ele e este precipício de mim.
Obs: A autora é poeta, administradora e editora da Revista Perto de Casa.
http://pertodecasa.rec.br/
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