Vindo da mente do diretor e roteirista Pete Docter, possivelmente o criador mais sensível da Pixar – vide filmes como “Divertidamente” (2015), “Up, Altas Aventuras” (2009), e “Monstros S/A” (2001) – , Soul (2020) mostra as principais características desse criador: calmo, divertido e extremamente reflexivo. Fora isso, quebra vários patrões estabelecidos e exauridos pela própria Pixar.
O jazz, apesar de ser vendido no trailer como protagonista, na verdade não é. O roteiro foca em seu protagonista de fato e naquilo em que ele acredita ser seu propósito, sempre se confrontando. A vida nos faz olhar para uma jornada, mas dificilmente nos faz duvidar dessa jornada. Por conta disso, foi preciso literalmente morrer para que o protagonista percebesse a que de fato serve a sua vida. A morte aqui surge como uma viagem interna, um autoconhecimento e a introspecção que precede grandes mudanças.
O segundo e terceiro ato, mais precisamente, pertencem ao ritmo mental do protagonista. Quando Joe reduz, o filme também reduz. Quando Joe acelera, o filme também vai junto. Quando Joe se incomoda, os elementos técnicos nos levam a acelerar o nosso próprio ritmo. Nessa modulação perfeita, o roteiro joga fora o conceito básico da ‘volta pra casa’ e vende o conceito da revisita pontual à sua casa. Quase joga fora também a necessidade de um antagonista, pois o antagonismo mora dentro do próprio protagonista.
Mas é ao tratar sobre a morte que o filme se mostra mais puro ainda. Ele facilita um conceito complexo. É fato que Soul pode contrariar quem aguarda uma homenagem à profissão de músico, como “Ratatouille” (2007) foi para a de cozinheiro. Soul deixa claro que não é sobre isso. É sobre aquilo que mora em nós, e nem sabemos porquê que aquilo está lá. E mais ainda: É sobre apreciar as pequenas coisas.
É piegas falar que Soul é um filme com muita alma. Eu não cairei nessa armadilha. Soul é sobre gente. É muito sobre quem na verdade está vivo e sabe viver esse negócio chamado vida. É sobre aquilo que podemos ver, sentir, tocar. É sobre as dores da luta. É sobre as dores dessa teima de procurar saber do nosso próprio propósito.
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