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A dimensão social na construção de uma opção de vida

O pedido de Jesus para seguir com o Projeto do Evangelho em direção a todo o mundo, revela a dimensão social da vocação a serviço do Reino de Deus. O processo de acompanhamento para a consecução de um projeto de vida passa por esta perspectiva do bem comum e do serviço à comunidade. A criação de um futuro promissor tem que incluir um bom futuro para todos que vão usufruir da opção de vida de cada jovem, num movimento circular de que a realização pessoal pressupõe a realização do outro, na completude de promover condições na construção de uma sociedade melhor. Trata-se de uma opção de vida para a cidadania, e “falar de cidadania é falar de igualdade de oportunidades entre as pessoas, da consciência de que é possível transformar e conviver com as diferenças e que o bem-estar individual passa pelo bem-estar coletivo. A construção da cidadania exige transformações profundas na sociedade e mudança de paradigmas a partir de uma visão ético-política. Essas mudanças ocorrem simultaneamente nas pessoas e no contexto em que estão inseridas”. (Serrão e Baleeiro, 1999)

A dimensão comunitária da criação do próprio futuro, proporciona ao jovem uma amplitude significativa do sentido da sua opção de vida, levando-o à certeza de que um dos aspectos centrais da sua caminhada é de que o desafio para sua realização pessoal passa por uma oferta desta sua opção ao dispor de quem precisa do seu potencial de serviço. A opção de vida é pessoal, mas o usufruto é social. Todo o trabalho de acompanhamento aos jovens, que buscam a sua realização no futuro, precisa ser apontado para uma opção oblativa, de saída de si mesmo, de consciência existencial de que a completude individual é reflexo da partilha de vida e serviço ao bem da comunidade social. Toda trajetória do jovem que se encontra no processo de definição de vida, até então, naturalmente, predominou o mecanismo de absorção de conteúdos e experiências, mais de receber do que de doar. No tempo do desenvolvimento esperado para a opção de vida, o jovem é convidado a uma atitude de maturidade na escolha para a entrega de vida, e de encontrar na oferta a satisfação de realizar a vida fora de si, numa via de superação da experiência dos outros que até então o alimentou, para passar a alimentar o mundo com a sua vida.

A preocupação pelo que está fora de nós, os outros e a sociedade é o que aperfeiçoa e dá sentido a opção vocacional e à própria vida. É a descoberta de uma escolha amadurecida, pois só uma opção madura não visa apenas a realização pessoal, mas do outro também, e muitas vezes preferencialmente pela realização do outro, residindo aí a própria realização. Toda pessoa, desde a concepção, é vocacionada ao crescimento e à maturidade. O tempo todo percorre toda sua existência numa perspectiva constante de possibilidades para ser e crescer continuamente. Eis uma via para garantia da realização pessoal, que é o compromisso para favorecer seu processo de maturidade, na busca contínua do autoconhecimento, aceitação de si, garantia da autenticidade, liberdade na relação com o outro, serviço aos demais e segurança nas decisões. Tudo em nome do fazer valer a própria existência, a auto realização histórica e a garantia de um sentido para sua vida.

Acompanhar o jovem para o sentido da sua vida

Sentido para a vida! Este é o destino final de todo percurso do acompanhamento aos jovens. Dar sentido para sua vida, a partir da decisão acertada de para quê, onde e como plantar a semente do seu futuro promissor. Neste momento da sua existência, os jovens precisam ter a clareza de que a sua opção tem que estar pautada pela responsabilidade e maturidade da resposta e da consequência desta para si e para o mundo. O psicólogo Tadeu Antônio Libardi, em seu artigo intitulado “Dimensão da maturidade à luz da logoterapia”, na Revista Teocomunicação, reforça bem esta ideia quando afirma que “o ser humano é responsável perante si mesmo.  É chamado a ter responsabilidade ao responder e ao dar respostas aos questionamentos da vida a cada momento.  Portanto, a vida cobra de cada ser humano uma resposta que corresponda a sua própria vida. Essa capacidade reservada à pessoa de dar e de receber respostas, reservada exclusivamente ao homem, faz dele um ser maduro.”

Viktor Frankl, médico austríaco e judeu, na sua primeira obra sobre a sua teoria da logoterapia, “Em busca do sentido” de 1946, compartilhou da sua convicção de que todo homem traz consigo o ímpeto de realização a partir de um sentido para sua existência. Frankl já vinha desenvolvendo esta ideia desde a sua juventude, antes mesmo de atuar como psiquiatra, mas foi como o prisioneiro 119.104 no campo de concentração, que conclui esta teoria sobre o sentido da vida na própria experiência ante o sofrimento e o risco da morte. Para Frankl o ser humano é empurrado pelo próprio percurso da existência em direção ao sentido da vida, num movimento que gera confrontos e conflitos interiores, mas que não podem ser maiores que o movimento da busca do sentido rumo à realização. Caso a pessoa não encontre sentido, é proporcionado a possibilidade de que as dificuldades para tal se transformem em frustrações que sedimentarão um vazio existencial. Uma vida sem sentido é uma vida sem realização. “Não deixa de ser uma peculiaridade do ser humano que ele somente pode existir propriamente com uma perspectiva futura, de certa forma sub specie aeternitatis – na perspectiva da eternidade.” (Frankl, 1991)

 Nesta perspectiva da busca do sentido para a vida, a atividade do acompanhamento aos jovens se assemelha à experiência de acompanhamento em psicoterapia, que precisa estabelecer como marco referencial a realização da pessoa que busca este serviço profissional. Nesta relação de ajuda, a ação do acompanhamento vocacional coincide, pois também deve proporcionar ao jovem esta mesma perspectiva de realização a partir do encontro com o sentido da sua vida. Portanto, o trabalho de acompanhamento aos jovens pode até não possuir um fim psicoterápico, entretanto, se bem realizado e assertivo, passa a ter efeitos terapêuticos, favorecendo condições suficientes para encaminhar a sua opção de futuro linkado ao sentido da sua vida como garantia da sua realização.  Pois somente alcança a realização pessoal, aquele que encontra a razão da própria vida, que se torna continente bem fundado para concretizar todos os seus sentidos, tornando assim a sua vida grandiosa, não pelo tanto de tempo que viveu, mas pela realização gerada por meio do sentido encontrado.

Conclusão com a “Alegoria da Caverna”, sinalizando o futuro promissor sob a luz longe da escuridão

Como conclusão desta reflexão, que permaneça a certeza de que o exercício importante de acompanhar os jovens na criação de um futuro promissor seja essencialmente uma missão de encorajá-los para que tome pelas mãos e pelo coração, o compromisso com a verdade sobre si mesmo, de viver sob o estigma da luz do conhecer-se sempre mais, acolher-se por inteiro e não temer o risco de lançar-se na oferta de vida para colaborar com construção de um mundo em justo e gentil para os seus filhos. Que o fruto de todo acompanhamento seja o de saída da “caverna”, num movimento de renúncia à acomodação da escuridão, como quem se entrega ao autoengano de viver adequado ao quase nada de vida por fora, e o tudo do todo de vida comprimida por dentro.

A analogia é com o texto da “Alegoria da Caverna” de Platão (428 a 347 a.c), uma metáfora que retrata o diálogo entre o filósofo e mestre de Platão, Sócrates, e o personagem Glauco, um jovem aprendiz. Uma parábola com muitas simbologias na qual Platão descreve sobre a busca do conhecimento, em contrapartida à ignorância e manipulação. A imagem é de um grupo de pessoas que vivem acorrentadas no fundo de uma caverna escura e subterrânea, onde só conseguiam enxergar as sombras projetadas por uma luz de fogueira manipulada pelos “amos da caverna”, seus opressores. Os prisioneiros só conheciam aquela realidade, acreditavam e se contentavam que as sombras exibiam o mundo real e que tudo a ser explorado no universo eram as projeções. Entretanto, em sentido contrário ao estabelecido, um dos acorrentados passa a refletir sobre sua condição e descobre que o mundo vai muito além do fundo da caverna e das sombras. Ele consegue se libertar e caminhando pela caverna, chega até a saída, quando é ofuscado pela luz intensa do sol que nunca tinha experimentado antes, pois viveu desde o nascimento aprisionado na escuridão. Agora seu destino, fruto do seu movimento de saída, era o de se acostumar com a luminosidade e desenvolver um novo olhar capaz de lidar com o mundo exterior. Após um período explorando a nova realidade, o novo liberto sente a vontade de compartilhar da sua experiência de luz e novos horizontes com os seus pares ainda aprisionados.

Um conto que por si já nos ensina conceitos e condutas sobre a busca de sentido da vida a partir do compromisso pessoal com a luz. Superando a tentação de associar cada símbolo desta história com a reflexão vigente, destaco alguns pontos para que cada leitor prossiga com esta reflexão a partir da contemplação pessoal sobre o tema. O primeiro ponto é sobre viver e se acomodar com a existência no fundo da caverna que pode significar uma escolha de viver menos, viver das sombras, conviver e se contentar sem a grandiosidade de realização que cada um pode entregar a si mesmo. Ao deixar o fundo daquele buraco, ele realiza o movimento de olhar para dentro dos seus sentimentos e perceber a insatisfação de viver na escuridão, descobrindo a existência de um mundo diferente sinalizado por uma luz no fim da caverna, que na verdade é a luz do início de um novo jeito para ser feliz. Por mais incômodo que seja, com dúvidas e medos do desconhecido, ninguém jamais pode experimentar uma perspectiva de esperança e possibilidade sem atirar-se para fora das suas cavernas, quebrar as correntes e rechaçar as escuridões. E, por fim, o sentido comunitário da vocação à vida, simbolizado no desejo de retorno à caverna para repartir o bem da vida nova com os irmãos acorrentados.

Assim sendo, como desfecho de toda esta reflexão, me sirvo por empréstimo das palavras do cronista português João Manuel Simões, em seu artigo “Um novo olhar (crítico) sobre a “Opus Majus” de Albert Camus”, da Revista Ideias: “Só há uma saída para a vida: é viver”. “A frase é de Pessoa. (…) De fato, para o homem, perdido na desolada terra dos homens, só há uma saída: ser homem. Não fechado em si mesmo, isolado na sua ilha privativa, na insularidade do seu egoísmo, do seu egocentrismo, da sua autolatria, mas em comunhão fraterna com os outros homens. Fazendo parte de um arquipélago – a humanidade. Parte do todo (…) só aí o homem se torna verdadeiramente imortal. Ainda que amputado de fragmentos do seu organismo, o todo não morre. Continua”.

O artigo acima foi publicado na Revista ITAICI número 121 do mês de setembro das Ed Loyola.

Referências bibliográficas:

  • Serrão, M., & Baleeiro, M. C. (1999). Aprendendo a ser e a conviver. FTD.
  • Libardi, A. L. (2008). Revista Teocomunicação P.Alegre v. 38 n. 159 p. 122-137 jan./abr. 2008 10.
  • Frankl, V. E. (1991). Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. rev. São Leopoldo: Sinodal.
  • Platão (1956). A República. 6º ed. Ed. Atena, p. 287-291
  • Simões, J.M. (2018). “Um novo olhar (crítico) sobre a “Opus Majus” de Albert Camus”. Revista Ideias (Travessa dos Editores) https://www.revistaideias.com.br/2018/05/02/um-novo-olhar-critico-sobre-a-opus-majus-de-albert-camus/

Obs: O autor é psicólogo CRP 11/0668
Psicoterapeuta Clínico de jovens e adultos

Assessor dos Seminários Propedêutico, Filosófico, Teológico e da Escola Diaconal da Arquidiocese de Fortaleza
Professor do Curso de Pós-Graduação em Espiritualidade Cristã e Orientação Espiritual da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
Assessor do Plano de Candidatos dos Jesuítas da Província do Brasil
Assessor de Dioceses, Congregações Religiosas e Comunidades          

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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