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(para Jorge Luis Borges)
Tudo está contaminado
pela falsidade.
Foi o poeta o culpado
com o seu abuso
dos traços circunstanciais.
Restou-nos
essa tendência
à imprecisão,
tolerável ou verossímil
na literatura.
Esses artífices do verbo
que estão sempre em busca
da página mais precária de todas,
aquela em que nenhuma palavra
poderá ser alterada,
a página da perfeição.
Como o escritor
que mede a virtude dos outros
pela sua,
e exige que os outros
o meçam pelo que
ele vislumbra ou planeja.
Os leitores,
essas espécies já extintas,
porque há muito
trocaram a invenção literária
pelos simulacros.
Porque os autores desses últimos
há muito perderam
a normal respiração da inteligência,
ou seja, pensar, analisar e inventar.
Que o fato estético
prescinde sempre
de um certo assombro,
eles, os verdadeiros escritores,
sabem.
Que a concisão é uma virtude.
E que é melhor se demorar
em dez frases breves
do que em uma longa.
E sabem também
que devem sempre fugir
das palavras definitivas,
das que postulam sabedorias
divinatórias ou angelicais,
e daquelas outras resolutas,
donas de uma firmeza
mais que humana.
Enfim, da ênfase,
o equívoco preferido
da atual literatura.
Eis a sina dos escritores:
produzir uma escrita criadora
de um deus submisso
para que este possa
negociar com o demônio
a perpetuação da sua linguagem,
ou seja, a religião, as letras
e a metafísica,
seu tripé sustentador
da sua indumentária
de sonhos e trapaças.
Forjadores da identidade
do estético e do expressivo,
mas que acabam serviçais
dessas quatro distrações:
as visuais das metáforas,
as auditivas do ritmo,
as imprevistas da interjeição
e do hipérbato,
resultando em escravos
da paixão do tema tratado.
Confessam
a estranheza do mundo,
dizendo assombro
onde outros dizem hábito.
E seguem arrastando manso
nessa fauna fonética
seu sonho mallarmaico:
de que o mundo existe
para acabar num livro.
Obs: O autor é Jornalista e Gestor Cultural.