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Primeiro aspecto da pedagogia da encarnação: o conhecimento!

Sobre este primeiro aspecto do conhecimento, já estamos bem embasados com a introdução deste material quando sinalizamos na direção do mesmo como uma possível matriz cultural da pós modernidade em que nos encontramos. Assim como, ao associarmos o conhecimento como elemento indispensável no processo do acompanhamento. Parafraseando a Santo Inácio, o conhecimento pode ser considerado o princípio e fundamento para um serviço de acompanhamento assertivo.

Sob a dimensão da maturidade psicológica, o conhecimento é o exercício de olhar sempre mais para si mesmo, para sempre melhor ver o outro. No acompanhamento é necessário que ambos, acompanhante e acompanhado, estejam em constante processo de autoconhecimento, assim como do conhecimento a que se destina esta relação. Quanto mais tal conhecimento é garantido, mais condições ambos terão de segurança e confiança nas condutas que favoreçam as decisões. Para quem acompanha, quanto mais se conhece o jovem, maior o saber para lidar, conviver e conduzir. Para o acompanhado, quanto maior o conhecimento sobre si mesmo (seus potenciais e limitações) e o seu processo, mais ampla a possibilidade de acerto. Quanto maior o conhecimento, maior a possibilidade de realização. O caminho em direção à realização pessoal e vocacional pressupõe o contínuo exercício de conhecimento sobre si mesmo, da própria história, passada e presente, e da capacidade de acolhimento da sua pessoa e da sua história, bem como das dificuldades que são comuns a toda pessoa em desenvolvimento. Rejeitar este olhar sobre si mesmo é rejeitar a possibilidade de se possuir sempre mais e saber com mais segurança as melhores decisões para si.

Possivelmente, a amplitude da experiência de conhecimento, tanto a si como ao outro, proporciona o encontro e confronto com o aprazível e o detestável. O que gera dor e desconforto, mas com certeza garante a convivência com autenticidade, tanto consigo mesmo, como com a verdade que se busca sobre o projeto de vida a ser contemplado. “Não há despertar de consciência sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo para evitar enfrentar a sua própria alma. Ninguém se torna iluminado por imaginar figuras de luz, mas sim por tornar consciente a escuridão”. (Jung et al.,2016)

Segundo aspecto da pedagogia da encarnação: o acolhimento!

O segundo aspecto da proposta pedagogia da encarnação é o acolhimento. Significa, a princípio, aceitar o outro essencialmente como ele é, no seu estado de ser pessoa, independente das suas atitudes e limitações. Acolher a fim de trazer o outro para bem perto de si, e, na proximidade, aquecer a relação de acompanhamento para compreender melhor a natureza dos sentimentos, atitudes e limitações. Assim sendo, quando alguém é acolhido ele acolhe a si mesmo, o que é uma condição fundamental para o fortalecimento da autoconfiança na decisão do caminho a seguir. Toda vivência efetiva de acolhimento ao outro, pressupõe a experiência de acolher a si mesmo. Tal experiência facilita o trabalho de individuação e estruturação da própria identidade. Acolher a si mesmo é amar a si mesmo, de maneira integral e ontológica, para salvaguardar a própria inteiridade, e assim, de forma inteira, o jovem possa mergulhar no seu processo de busca e discernimento. Quem sai inteiro na viagem para sua realização, jamais poderá seguir viagem em pedaços, muito menos chegar incompleto.

A vivência desta dimensão do acolhimento é força motriz para autoestima, que é a principal condição para o desencadeamento do processo de amadurecimento e segurança para as decisões. Portanto, é praticamente impossível dissociar a segurança sobre si mesmo da capacidade do jovem em acreditar nas suas próprias condições e de afeto consigo mesmo. Isto porque se alguém não encontra em si, potencial suficiente para lidar com as questões que lhes são colocadas, naturalmente ele buscará fora (de si) a melhor fonte para suprir suas necessidades. Desta maneira pode-se estabelecer a carência de autonomia e de proteção, reforçada pela atitude de fixação em figuras referenciais externas, a princípio paternas, reproduzidas adiante noutras pessoas como a da professora, do amigo, do superior, do acompanhante vocacional, do diretor espiritual e outros. Não que a referência afetiva seja prejudicial, mas a fixação dela internamente como superposição da sua própria identidade, compromete a possibilidade da autenticidade das características pessoais. Assim sendo, o jovem desconhece a si mesmo, confunde até os seus ideais com os de outra pessoa e corre o risco de perder de vista seu Norte e o lugar devido a chegar.

Quão importante é esta dimensão do acolhimento na relação do acompanhamento, pois quanto mais o jovem sentir-se acolhido nesta relação, maior será a possibilidade de ele colocar-se por inteiro no processo e aí favorecer as suas demandas de mudanças em prol da sua maturidade. Isto mesmo, quando acolhemos o outro dizemos que ele pode ser ele mesmo, de forma autêntica, pois só assim estará promovendo um espaço para a sua liberdade em reconhecer as suas dificuldades, transformando-as em força para a ressignificação, superação e crescimento.

Terceiro aspecto da pedagogia da encarnação: a comunicação!

O terceiro aspecto que favorece a boa experiência da pedagogia da encarnação na relação de acompanhamento, é a comunicação. A palavra comunicação significa o ato ou efeito de comunicar. A capacidade de trocar ou discutir ideias, de dialogar, de conversar de influenciar-se mutuamente. A comunicação clara sem barreiras, é muito difícil de ser mantida e, por esta razão, desenvolver relações verdadeiramente humanas é algo que exige muito trabalho das pessoas. Em geral, o ser humano tem tendência a julgar, avaliar, concordar ou discordar antes de saber o que o outro está realmente dizendo e querendo expressar. Com isso, ouvem as mensagens com os seus significados pela metade ou alteradas, e só conseguem dar atenção aos conteúdos que lhes interessam ou que são alcançados pela frágil compreensão que fora disponibilizada.

Para tanto, com intuito de inserção na vida do jovem a ser acompanhado, sugere-se clareza e objetividade para falar e para ouvir. Inclusive para provocar a boa comunicação do seu acompanhado no exercício da partilha.  Assim como maior sensibilidade ainda na atitude de ouvir – e muito mais sensibilidade ainda em ouvir do que escutar. Isto porque “escutar” é a mera assimilação dos sons, ligada à capacidade física e com alcance apenas dos conteúdos verbais. Enquanto “ouvir” é a compreensão do significado, que depende da capacidade emocional e com alcance dos conteúdos verbais e não-verbais. É preciso assegurar na relação do acompanhamento a comunicação do ouvir comprometido, para repercutir na ampla e necessária experiência do conhecer, que quanto mais for proporcionado, maior será a condição do acolher.

Esta proposta da pedagogia da encarnação como instrumento para facilitar a boa relação de acompanhamento do jovem na construção de um futuro promissor, a partir do conhecimento, acolhimento e comunicação, promove um percurso de respeito a todo contexto pessoal e social, no qual o caminhante está inserido. O jovem é concebido do jeito que ele é, com a sua história, suas origens, seus complexos, sua afetividade, sua experiência religiosa, seus valores, seus potenciais, tudo seu enfim. Desta maneira, fica garantida a real possibilidade de imersão no seu projeto com segurança em si mesmo e em toda sua trajetória de vida, com entusiasmo e motivação para firmar o olhar no horizonte do seu futuro, para desde então torná-lo realidade no seu presente.

Jesus como referência de acompanhamento

Para bem ilustrar a vivência desta pedagogia da encarnação, faço um convite para a contemplação de um momento marcante da vida de Jesus junto aos seus apóstolos. Trata-se de uma circunstância descrita no Evangelho, em que Jesus atua como referência de quem soube lidar com os seus apóstolos a partir da sua humanidade, individualidade, condições psicológicas e contexto sócio-político. Aqui tratamos da Pedagogia de Jesus, que demonstrou um cuidado em lidar com os outros respeitando as suas individualidades e as suas condições emocionais, como quem os quisesse sempre por inteiros, para que inteiros estivessem na missão, na entrega… e assim garantir a construção do Reino do Seu Pai.

O contexto se inicia após a morte de Jesus, quando Ele anuncia o desejo de querer reencontrar o grupo dos apóstolos na Galileia. Certamente foi um pedido que eles não entenderam bem, pois se todos estavam ali em Jerusalém, qual a razão de um deslocamento tão grande para este encontro, pois teriam que percorrer um trajeto de 120 km (em linha reta) até a Galileia, entre montanhas e a pé. Será que Jesus queria tirá-los de Jerusalém, lugar de morte e perseguição, de medo e depressão, para um lugar de vida que lembraria o primeiro chamado, os milagres, as pregações e os bons tempos de convívio e certezas? Não seria muito arriscado retomar a missão do Evangelho numa situação em que psicologicamente o grupo estava impactado, sem forças suficientes para uma reação? É possível até que seja um engano esta interpretação, mas a ideia é dar um sentido a tal conduta para sublinhar uma ação de respeito, conhecimento e acolhimento do grupo de seguidores que Jesus acompanhava, para a vivência de uma experiência emocional corretiva, em prol da continuidade do compromisso vocacional de cada um.

Já na Galileia, enquanto os apóstolos pescavam, Jesus apareceu e inicia uma série de imagens e textos, que se interligavam parecendo um trabalho psicoterapêutico de reestruturação emocional, a partir de uma sequência de superposição de vivências, iniciada já com a saída de Jerusalém e a estada na Galileia. O trabalho de acompanhamento de Jesus, segue com a aparição durante uma nova situação de pesca, aparentemente de volta ao trabalho, que poderia significar o descarte da missão, assim como o não reconhecimento de Jesus quando eles o avistaram à beira do Lago de Tiberíades. Por outro lado, a circunstância também poderia remeter à pesca milagrosa acontecida ali mesmo, tempos atrás. Poderia ser mais uma memória positiva para contrapor um emocional ainda comprometido. Da mesma forma, eles ouvem mais uma vez o “Lançai as redes…” (Evangelho de João 21) que certamente aguçava a lembrança do sentido vocacional do apostolado missionário. Pedro reconhece a Jesus e como um batismo mergulha em direção a Ele. Seguindo o trabalho de resgate emocional, mais uma superposição de imagens: “brasas preparadas e um peixe em cima delas, e pão” (…) tomou o pão e lhos deu, e do mesmo modo o peixe” (Evangelho de João 21) a partilha, a ceia, a eucaristia. E como último gesto de resgate e preparação para um novo envio, a tríade declaração de Pedro provocada por seu Mestre, para enterrar de vez as três negações. No “Pedro, tu me amas?” (Evangelho de João 21), a clareza de mais uma superposição de imagem, palavras e vivência, num conjunto de ressignificação do amor à pessoa de Jesus, cerne da vocação de Pedro, sustentação da sua missão e garantia da pedra angular na construção do Reino das Bem Aventuranças entre nós!

 Agora sim! Com a segurança de reerguer a estrutura psicológica dos apóstolos, estabelecer uma liderança na pessoa de Pedro, garantir o compromisso para cuidar do seu rebanho e a confiança na continuidade da promoção de um futuro promissor, Jesus pôde anunciar: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura.” (Evangelho de Marcos 16). E somente assim, sem abrir mão do respeito à realidade humana de cada apóstolo, num trabalho eficaz de acompanhamento, o Projeto do Evangelho seguiu e sobrevive até hoje. O futuro para Jesus e para aqueles homens e mulheres que o seguiram, virou um presente para sempre. Presente que é dádiva, mas que também é tempo presente para sempre. (continua)

O artigo acima foi publicado na Revista ITAICI número 121 do mês de setembro das Ed Loyola.

Referências bibliográficas:

(1)Jung, C. G., Henderson, J. L., von Franz, M. L., Jaffé, A., Jacobi, J., & Freeman, J. (2016). O homem e seus símbolos. HarperCollins Brasil.
(2)Castro, J. J. D. (2001). Bíblia Ave Maria. São Paulo: Editora Ave Maria.

Obs: O autor é psicólogo CRP 11/0668
Psicoterapeuta Clínico de jovens e adultos

Assessor dos Seminários Propedêutico, Filosófico, Teológico e da Escola Diaconal da Arquidiocese de Fortaleza
Professor do Curso de Pós-Graduação em Espiritualidade Cristã e Orientação Espiritual da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
Assessor do Plano de Candidatos dos Jesuítas da Província do Brasil
Assessor de Dioceses, Congregações Religiosas e Comunidades      

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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