Paula Barros 15 de janeiro de 2021

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Ele passou no açougue antes de ir para casa. Observou o pé de porco no balcão branco de mármore, frio e sujo. Pensou nas próprias mãos que tentaram cortar. Sentiu o estômago revirar e gelar. Olhou o rabo do porco, num cantinho do balcão e pensou no próprio rabo que tentaram prender. Observou as orelhas do porco murchas, enrugadas, largadas. E pensou nos ouvidos que quiseram tampar. Viu os olhos do porco sem vida, sem brilho, e lembrou dos seus olhos que quiseram furar. Viu o porco todo estraçalhado. Pensou na sua vida que tentaram retalhar. Procurou no balcão branco de mármore, gélido, o pensamento do porco. O açougueiro respondeu. O pensamento ninguém consegue pegar. Não há dinheiro que possa comprar. Então ele disse: mas o coração está ali, exposto, sangrando. Sim, está. Mas o sentir não está no coração. Está na alma, e a alma foi liberta, a cada mutilação que tentaram fazer. Ele ali, em pé, diante do porco liberto, sentiu uma lágrima úmida escorrer pelo canto dos olhos.  Suspirou aliviado. Sentiu sua alma voltando a pulsar e viu que o pensamento, esse ninguém vai domar, nem comprar, nem pode vigiar. Sentiu-se liberto e aliviado, do olhar que aprisionava a alma.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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