Djanira Silva 1 de janeiro de 2021

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Na festa encontrei a mulher plastificada, parecia irmã gêmea da minha vizinha que tem a cara, igualzinha a de outras gêmeas que conheço. Estão clonando as velhas e ainda não vi nenhuma que fosse de proveta. Algumas são desunidas – dizem umas para as outras: você está muito bem, tudo mentira só pra consolar. Numa vi um grupo de pagode de mulher velha, nem bailarina encarquilhadas balançando os babados no meio do palco. Não gosto de elogios. Se partem de gente jovem é deboche na certa. Se é de velho é para ganhar adeptos no velório e ajudar a levar o caixão. E nada disto tem importância no depois do depois importância é o antes do agora, enquanto o olho enxerga e a alma sente. E quem disse que não sou reciclável? Descartável, isto sim. A morte faz a diferença e se morrer queimada as cinzas não servem nem para uma quarta-feira, se for derrubada, o touro pisa em cima, cobre de areia e arrasta pela arena. Por favor não me digam que não sou reciclável e reaproveitável. Tem terra frutificando por aí alimentada pelo que a gente deixa escondido nas sementes.

Assim fico pensando como é que se perde o tempo, corri na frente de minha irmã e casei primeiro, quem ganhou, quem perdeu? Pari tantas vezes que perdi as contas aí acharam meu tempo, perdido, vencido, gasto para organizar, construir ganhar outros tempos. E assim será até que a morte e eu façamos as pazes; Ou será o tempo que me perderá por não caber dentro de mim?

Ontem alguém chorou. Também conheço todos os caminhos percorridos pela saudade. Não adianta esconder de mim o meu passado. Estou deslumbrada com os fracassos da vida, deslumbrada e confusa. Você que trabalhou, construiu e amealhou, vai pro buraco mais
pobre do que veio porque vai despojado que nunca teve.

Espero? Esperamos. Gosto das contradições. Aliás nada teria muita importância se não fossem as diferenças. Meus olhos, de vez em quando, entrevistam o mundo. As respostas se inscrevem no meu pensamento. Sinto-me devassada pelas dúvidas que visitam como seres estranhos e invadem minha privacidade deixando-me sem jeito por que não sei com o que estou lidando. O mundo é feito de fracassos, de sucessos. Só sei que antes de Eva, a lagarta comeu a maçã.

Surpreendido pela vida, o corpo estranha a alma. Se ninguém me ouve para que falar? Só nos amam pelo prazer que podemos dar. Agora, compreendo o teu silêncio. Ninguém de ouve se não tens a palavra. De que te serve teu rosto se não há mais sorrisos, nem tua voz se te cercas de silêncio? Pensar, trair, viver. Ajoelhar feriu-me os joelhos. Aplaudir magoou-me as mãos. Ver ruínas de sonhos magoou-me os olhos.

Chorar? Pra quê?

Obs: A autora é poetisa, escritora contista, cronista, ensaísta brasileira.

Faz parte da Academia de Artes e Letras de Pernambuco, Academia de Letras e Artes do Nordeste, Academia Recifense de Letras, Academia de Artes, Letras e Ciências de Olinda, Academia Pesqueirense de Letras e Artes , União Brasileira de Escritores – UBE – Seção Pernambuco
Autora dos livros: Em ponto morto (1980); A magia da serra (1996); Maldição do serviço doméstico e outras maldições (1998); A grande saga audaliana (1998); Olho do girassol (1999); Reescrevendo contos de fadas (2001); Memórias do vento (2003); Pecados de areia (2005); Deixe de ser besta (2006); A morte cega (2009). Saudade presa (2014)
Recebeu vários prêmios, entre os quais:

Prêmio Gervasio Fioravanti, da Academia Pernambucana de Letras, 1979
Prêmio Leda Carvalho, da Academia Pernambucana de Letras, 1981
Menção honrosa da Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1990
Prêmio Antônio de Brito Alves da Academia Pernambucana de Letras, 1998 e 1999 
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2000
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2010
Prêmio Edmir Domingues da Academia Pernambucana de Letras, 2014

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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