[email protected]
www.palestrantededireito.com.br

Nos tempos em que fui juiz, vigorava a idéia de que uma das virtudes do magistrado era um acendrado recato. O princípio é, sem dúvida, corretíssimo. O juiz, na vida pública e particular, deve fazer-se credor do respeito da comunidade através de uma conduta condizente com a grandeza de sua função. Muitos atos, absolutamente lícitos à generalidade das pessoas, não são apropriados para aquele que desempenha a função de juiz.

Mas se por recato entende-se que o juiz deve guardar-se de qualquer contato externo, afastar-se da imprensa, isolar-se no mundo dos autos, esse procedimento não me parece condizente com uma visão democrática do Poder Judiciário.

Aliás, nem poder o Judiciário deveria ser, mas serviço – Serviço Judiciário. Assim também, endereçados ao bem público, o Serviço Legislativo e o Serviço Executivo. Não obstante as conhecidas justificações teóricas para que se considere o Judiciário como poder (dentro da tese de três poderes), cabe analisar a questão numa outra perspectiva, que privilegie o social e o ético. Então, a Justiça será entendida como um serviço e o juiz como servidor.

Partindo dessas premissas, a Justiça tem de ser aberta e não fechada. Um processo só pode correr debaixo de sigilo quando razões de respeito à pessoa humana o exijam. As portas da Justiça têm de estar sempre franqueadas. Nunca a exigência de roupa ou calçado pode obstar a entrada de alguém nos recintos judiciais.

Arrostar o pensamento dominante, na época em que exerci a magistratura, custou-me alguns percalços que hoje compreendo com clareza. Fui censurado, em razão de uma entrevista que concedi a jornal. Essa entrevista continha críticas (teóricas) ao Poder Judiciário, decorrentes de um livro que eu havia publicado. De outra feita, recebi ofício advertindo-me de que não deveria publicar no Diário da Justiça os relatórios estatísticos de minha comarca.

A conduta da cúpula judiciária estava de acordo, a meu sentir, com o entendimento, então vigente, dos limites que se impunham ao papel do magistrado.

Pautei a linha de meu procedimento, em oposição à concepção imperante, não com a intenção de ser ”diferente”. Na verdade, pareceu-me que abrindo a toga ao conhecimento público eu contribuía para o avanço da cidadania, nem que fosse apenas no restrito âmbito de minha comarca, já que no cenário nacional os tempos eram de escuridão.

Agora, quando ligo a televisão e vejo a TV Justiça, tenho uma profunda satisfação interior. Constato que a intuição que me acudiu, no sentido de perceber a Justiça como terreno aberto ao povo, não foi despropositada. Assisto a sessões do Supremo Tribunal Federal. Vejo a imagem dos ministros e acompanho os votos que proferem. Nos noticiários, tomo conhecimento do que anda a acontecer nos arraiais da Justiça, por todo o território deste vasto país. É o Serviço Judiciário aberto à atenção e à fiscalização popular.

Lamento apenas que a TV Justiça não seja um canal aberto com penetração em todo o território nacional, inclusive nas cidades do interior. O avanço tem de ser complementado. É preciso que todos os televisores possam captar o sinal da TV Justiça. Aí sim, as salas dos tribunais estariam dentro de nossas casas, como imposição de cidadania.

Obs: O autor é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante. 
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2197242784380520
É livre a divulgação deste texto, por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão de pessoa para pessoa.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]